quinta-feira, 5 de junho de 2014

COMBATER A MENTIRA


É monstruosa a manobra de propaganda levada a cabo pelo Governo para justificar o injustificável relativamente a mais um chumbo do Tribunal Constitucional (TC). Não estamos perante uma situação de incompetência dos nossos governantes mas numa simples acção de terrorismo político, de consequências imprevisíveis. Percebe-se que esta gente quer transformar a democracia portuguesa num arremedo em que as decisões determinantes para a vida do país são tomadas por entidades não submetidas ao sufrágio. De quatro em quatro anos convocam-se os eleitores, cujo voto não tem qualquer espécie de influência para além de mudar uma ou outra cara nos executantes das políticas decididas muito longe de nós.
O cumprimento de leis é uma coisa que Passos e Portas, como bons intérpretes do neoliberalismo mais radical, acham anacrónica uma vez que o verdadeiro poder é uma emanação dos mercados e do capital financeiro. Quem tem poder para fazer cumprir a lei vai enfrentar uma guerra sem quartel.
A opinião pública está a ser submetida a uma avalanche de propaganda governamental cuja principal finalidade é confundir os portugueses. Que fique bem claro que o Governo defende interesses alheios, sem qualquer correspondência com os da esmagadora maioria dos cidadãos nacionais.
Às mentiras emanadas pelo poder tem de ser dada uma resposta adequada e essa resposta é a simples reposição da verdade. O texto (*) seguinte que transcrevemos do Público de hoje insere-se exactamente nessa estratégia embora tenhamos consciência de que, ao contrário do que possa parecer, é muito difícil fazer chegar a verdade às pessoas.
Marco António Costa é um estadista! Porque integrou um Governo de estadistas. Porque é dirigente nacional do partido que governa o país. Nessa qualidade, decretou, há dias, que o Tribunal Constitucional (TC) “insiste” em “arrastar o país para o passado”. No contexto, também decretou que o seu Governo arrasta o país para o futuro.
O Governo responsabiliza sempre os outros pela sua incapacidade e incompetência. Não se ficou pelo TC. Acrescentou que “tantas instituições contribuem para a instabilidade do país”. Está tudo contra o Governo! Que extraia daí as consequências.
O Governo puxa o país para a frente. Para mais perto do precipício. Do abismo.
País onde estacionam centenas de milhares de desempregados e emigrantes sobretudo jovens; milhões de pessoas no limiar da pobreza; onde a reforma do Estado se traduz em cortes nos salários e reformas; onde se torram milhões, sempre mais milhões em bancos falidos, swaps, parcerias público-privadas, rendas e por aí fora.
Este é o futuro que o poder oferece.
Marco António Costa e o seu Governo podem continuar a pregação da demagogia e “sucesso” da saída da troika. Ela cá continua com hotel reservado.
O povo português mostrou-lhes a sua revolta e descontentamento. Atribui-lhes os restos de 27% num acto eleitoral eloquente. Não faz a distinção grosseira do poder: as pessoas não estão bem, mas o Estado está melhor.
Eles são o Estado. O povo está de fora.
O TC haveria de conformar a Constituição da República ao memorando da troika, que se travestia de Constituição, código e lei. Tudo interpretado com as regras de Excel da troika.
A Constituição e seus princípios deveriam submeter-se a esta, ao Governo que lhe obedece, ao memorando. O país seria uma colónia, com leis vindas do estrangeiro.
Acham ou dissimulam que o TC está aí para talhar o fato à medida dos orçamentos do Governo. Recusam a natureza do TC, órgão de soberania com competências próprias. Detentores da verdade, nunca aceitam que, em democracia, o poder de Estado se reparte por várias entidades.
Ao Tribunal Constitucional cabe defender a dignidade da instituição. Decidir com independência e imparcialidade as questões que lhe são submetidas. Os juízes desse tribunal não são amanuenses ou assessores do Governo.
Este, na execução dos seus projectos, deve cumprir a lei. Como jurou! Não como é inspirado pelas centenas de assessores ignorantes dos ministérios ou pela volúpia das sociedades de advogados pagas a preços de ouro.
Com uma chusma de advogados e assessores, o Governo foi impotente e incapaz de perceber a decisão do TC. Patético, pediu instruções! Ao que o país chegou! Governantes que não sabem interpretar uma decisão judicial. Litigante relapso,  quer é atrasar o cumprimento da sentença.
A questão não está no Tribunal Constitucional. Está no Governo. Sem imaginação, nem capacidade, nem competência para governar o país de acordo à Constituição.
Não tem política. Limita-se a impostos e mais impostos. E cortes.
Fala do “buraco” de 600 milhões criado pelo TC. O “buraco” foi o Governo que o cavou, parindo leis inconstitucionais.
O Tribunal Constitucional, nos termos constitucionais, concedeu-lhe um “abatimento” de outro tanto.
(*) Ex-procurador-geral distrital do Porto

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