É
por demais evidente que o prazo de validade deste Governo já expirou há muito
tempo. E, não vale a pena escolhermos este ou aquele sector de actuação porque
o desnorte é geral, a começar pelo Primeiro-Ministro.
Ainda
hoje ficámos a saber que, afinal, o Governo vai recuar decidindo pagar o
subsídio de férias por inteiro. Em 24 hora a estratégia do Executivo alterou-se
e todos os funcionários públicos serão tratados por igual. A tentativa de
envolvimento do Tribunal Constitucional nesta problemática não resultou.
No
que diz respeito à educação, a Associação de Professores de Português acaba de
detectar um erro nos critérios de correcção do exame nacional daquela
disciplina do ensino secundário. Como não poderia deixar de ser o Instituto de
Avaliação Educacional nega a existência do erro – gente que nunca se engana…
E
por aí adiante.
Muito
a propósito vem este artigo de opinião (*) que transcrevemos do Público de hoje,
apenas uma história que vale a pena conhecer para juntarmos a tantas outras…
Quando
um ministro chega ao poder e retira a estudantes adolescentes os prémios que já
lhes haviam sido atribuídos ficamos a saber duas coisas: 1. que os laços de
confiança entre o sistema educativo e os estudantes não são para ele um assunto
relevante; 2 que a empatia deve fazer parte das coisas que ele despreza.
Mesmo
assim, há 3 anos recusar-me-ia a acreditar que este mesmo ministro viesse a
fazer tanto mal ao sistema educativo e, sobretudo, às crianças portuguesas. Mas
infelizmente fez, e como o vão deixar vai continuar a fazer. A minar por dentro
os laços que elas constroem com os seus professores, a colocá-las, de forma
sistemática, ano após ano, face a situações em que a única saída saudável é o
cinismo face ao mundo.
E
passo aos factos. No dia 9 de Junho foram publicadas as notas dos exames do 4.º
ano. No Colégio Valsassina, uma escola do Agrupamento de Exames Lisboa Central,
a pauta de Português afixada apresentava um razoável desvio relativo à
distribuição de notas que resultaram de quatro anos de trabalho sério com os
estudantes. Nalguns casos as notas eram significativamente mais baixas do que
aquelas que os alunos haviam tido, noutros significativamente mais altas. Os
pais ficaram perplexos e os professores também.
Esta
cena, como se sabe, acontece depois de o ministro ter desencadeado uma campanha
de propaganda ideológica a favor de valores como o rigor e a exigência,
acompanhada de uma significativa alteração das práticas de avaliação que
estavam em curso. Por causa dessa investida, os alunos tiveram de se relacionar
com uma série de coisas nefastas, sendo, no meu entender, a mais grave e a mais
nefasta, a tomada de consciência de que quem manda não confia nos seus
professores: quem os ensinou durante quatro anos não é pessoa séria com
certeza, dado que não pode estar presente nos exames e não pode participar na
avaliação dos mesmos. Alguém de fora, que ninguém sabe quem é - mas que sabemos
que não pode ter leccionado as disciplinas em que os estudantes estão a ser
avaliados, porque assim, caso também não seja sério e queira ajudar, não o sabe
fazer - virá guardar as crianças, e outro alguém, que também não sabemos quem
é, virá corrigir as provas. E como nas crianças de nove e dez anos também não
se pode confiar, têm de assinar um papel a dizer que não levam telemóvel para a
sala de exame.
Depois
de toda esta encenação restava às crianças – não aos pais, que já não têm idade
para ser ingénuos, mas que por amor aos seus filhos têm tendência para não lhes
dizer que o mundo é tão ridículo quanto ele realmente é – acreditar que o rigor
existe e que os resultados finais correspondiam realmente à avaliação do seu
trabalho. Acreditaram e por isso, quando viram a pauta, choraram – uns de
tristeza outros de alegria. Nesse mesmo dia à noite – na véspera de feriado e,
consequentemente, a três dias de distância da próxima abertura da escola – os
pais das crianças receberam um e-mail dizendo que havia um problema informático
e que a pauta afixada não era válida.
Na
segunda-feira voltou a haver crianças que choraram: os que tinha chorado de
alegria choraram de tristeza e vice-versa. Para lá dos danos afectivos e
psicológicos que esta situação causou, há ainda os danos que se prendem com a
quebra do laço de confiança que uma criança deve ter face ao sistema educativo
– e já agora, porque ainda são crianças, face ao mundo. Três dias depois de a
primeira pauta ter sido afixada ficaram a saber que o sistema não funciona, que
comete erros grosseiros e que afinal os seus professores – aquelas pessoas pouco sérias que o ministro
afastou do processo – estavam certos: a nova pauta revelou uma distribuição
muito próxima das notas que a escola lhes tinha atribuído.
É
uma pequena história que, se aplicarmos a lógica estatística, e portanto nada
empática, que é a do ministro, não tem nenhuma importância. Mas, na minha
qualidade de antropóloga, direi que é um “estudo de caso” que revela o quão
nefasta está a ser a aplicação obstinada de um modelo que tenta objectivar
aquilo que quem sabe ensinar sabe que não é objectivável. Qualquer bom
professor diz, de olhos fechados, a nota que cada um dos seus alunos vale. E
para tal não precisa de um único dos algoritmos que este ministro tanto preza.
(*) Filomena Silvano, Antropóloga – docente da FCSH-UNL
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