A imensa propaganda em curso, à
Copa 2014, esconde, não tenhamos dúvidas, os oceanos de corrupção que giram à
volta do futebol. É claro que a propaganda está tão bem engendrada que aqueles
que pretendem denunciar o descomunal lado negro do desporto-rei quase não
conseguem fazer ouvir a sua voz por serem altamente minoritários. O cidadão comum
está de tal maneira dominado pela propaganda que apenas se interessa pela bola
que entrou ou não entrou na baliza, pelo penalty que existiu ou não existiu,
pelos erros do árbitro que prejudicaram a sua equipa favorita, etc., etc.,
enquanto boceja se alguém lhe falar sobre a enorme corrupção na FIFA. A sua
denúncia é minoritária mas é importante que seja feita e, por isso, nos
associamos a ela com a transcrição do excerto do artigo de opinião que José
Vitor Malheiros assina hoje no Público.
Encontrei
ontem no Facebook um link para um sketch
do humorista britânico John Oliver, que muitos conhecem da sua participação no
Daily Show de Jon Stewart. O sketch é sobre o Mundial do Brasil
e a FIFA, a corrupção na FIFA, o Mundial de 2022 no Qatar, o egotismo e a
boçalidade do seu presidente, Sepp Blatter, a imensíssimamente descomunal lata
do seu secretário-geral, Jérôme Valcke, os estádios monstruosos e inúteis no
Brasil, o estatuto de “Estado dentro do estádio” que a FIFA possui, ditando as
suas leis, criando os seus tribunais especiais, fugindo a todos os impostos,
absorvendo fundos que os países podiam e deviam dedicar ao desenvolvimento e ao
combate à pobreza, acumulando uma fortuna colossal que foge a todos os
escrutínios, como organização internacional e “sem fins lucrativos” que finge
ser.
Curiosamente,
no link que encontrei no Facebook,
John Oliver era apresentado como “jornalista” e os comentários cumprimentavam a
qualidade do seu “jornalismo”. O facto não é apenas fruto da ignorância: de
facto, havia no seu humor mais jornalismo (mais investigação, mais preocupação
em aprofundar e contextualizar a história, mais isenção no relato, mais
preocupação social, mais urgência de denunciar) do que em muitas peças
realmente jornalísticas. O que é espantoso é que a peça era singularmente
objectiva. O grosso do “humor” era apenas uma colagem inteligente de notícias
sobre a FIFA. O humor nascia do absurdo da prática da FIFA, do gigantesco
sem-sentido da sua actuação, do despropósito das declarações dos seus
dirigentes, da insensatez da sua existência, da arrogância da sua relação com
os Estados. É tudo cómico na FIFA porque o que todos nós permitimos que esta
organização faça é totalmente absurdo e sem sentido. The joke is on us!
É tudo cómico na FIFA porque todos os dias a FIFA nos espeta com uma tarte de
creme na cara e, como sabemos, isso é sempre cómico.
Oliver
é humorista e não jornalista, mas é interessante verificar como é cada vez mais
frequente que as verdades surjam nos programas de humor e a propaganda nos
programas jornalísticos. Sim, eu sei que já foram publicados trabalhos
jornalísticos sobre o lado negro da FIFA. O problema é que são infinitamente
minoritários e, depois disso, toda a comunidade jornalística continua a tratar
a FIFA como uma organização idónea e os seus campeonatos como os mais benignos
eventos do mundo e todos os poderosos do mundo continuam a apertar a mão a Sepp
Blatter e a Jérôme Valcke.
O que torna a informação
sobre a FIFA imensamente divertida é a colagem que Oliver fez e que os media
em geral não fazem, apesar da disponibilidade da informação que a Web permite.
Porque é que os jornalistas não fazem a mesma coisa? Porque é não nos fazem rir
à custa dos poderosos? Porque alguém os convenceu de que devem ter como
critério o interesse do público e não o interesse público. E, para metade da população
(mundial, portuguesa, brasileira), as preocupações com a corrupção e com as
isenções fiscais da FIFA fazem-nos bocejar. E talvez seja mais do que metade.
Há brasileiros que pedem menos bola e mais escola? Educação padrão FIFA?
Transportes gratuitos? Os adeptos bocejam, enquanto esperam a hora do desafio.
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