Nenhuma
propaganda da oposição, por mais radical que fosse, poderia imaginar a que
ponto a acção deste Governo chegaria e aos dislates que cometeria, de forma
premeditada e provocatória. Evidência mais que uma dificuldade brutal em lidar
com o regime democrático, um desejo sem medida de o destruir. Assim, todos os
meios a que possa lançar mão para o efeito são considerados aceitáveis.
A
presente provocação ao Tribunal Constitucional (TC) é mais uma acha para essa
fogueira em que pretendem mergulhar a democracia.
Curiosamente,
aos olhos do cidadão comum, o TC acabou por beneficiar o infractor ao permitir
que o Governo meta no bolso cinco messes de cobrança ilegal de um imposto
especial sobre os trabalhadores da função pública. São estes, verdadeiramente os
prejudicados pelo abatimento permitido pelo TC sobre o montante que deveria ser
devolvido àqueles trabalhadores.
O
texto seguinte é da autoria do conhecido constitucionalista Reis Novais (Público
de hoje) que aborda de forma muito incisiva e clara mais esta provocação do Governo
à entidade que tem a função de fiscalizar a conformidade das leis com a
Constituição da República.
Este
Governo, claro. Durante os primeiros cinco meses do ano, o Governo, que é
pobre, cobrou um imposto especial e extraordinário incidindo exclusivamente
sobre as grandes fortunas, portanto, sobre os trabalhadores da função pública
que recebem mais de 675 euros por mês. Como se esperava, e seguindo
jurisprudência firmada, o Tribunal Constitucional (TC) declarou este imposto
inconstitucional e determinou a cessação da sua cobrança. Lamentavelmente,
permitiu que o Governo retivesse os montantes entretanto ilegitimamente
cobrados.
Acabou
por ser um benefício ao infractor, tão mais perigoso quanto estimula o Governo,
sabendo que conta com a prestimosa cooperação institucional do Presidente da
República, a repetir a habilidade no próximo ano. As razões para tal benesse
são difíceis de explicar em texto curto, mas têm a ver com protecção da
confiança (neste caso do Governo) na cobrança do imposto extraordinário que o
TC admitiu que pudesse vigorar durante o chamado programa de ajustamento e
também com a dificuldade técnica em definir o limite preciso a partir do qual
um acréscimo àquele imposto é considerado inconstitucional.
Porém,
este Governo, que é pobre, é também mal agradecido e, por isso, não lhe ocorreu
melhor que pretender suscitar um inadmissível incidente de aclaração
exactamente sobre o benefício que o TC lhe concedera. Não percebem com
exactidão, dizem, as consequências jurídicas da decisão do TC. Mas o que o TC
disse, de forma clara e inequívoca, foi: a partir de 30 de Maio o Governo deixa
de poder cobrar este imposto. Ora, recorrendo à linguagem tão cara aos
fanáticos de mais e mais impostos (mas só sobre alguns): qual é a parte do a
partir de 30 de Maio que não percebem? Não sabem qual é o exacto montante
cobrado ilegitimamente que podem reter? Bom, mas aí, se não sabem, estudassem.
O que é que o TC tem a ver com isso?
Na
realidade, o pedido de aclaração não faz qualquer sentido nem teria, mesmo se
fosse bem sucedido, a mínima consequência prática. Da parte do Governo, no fim
de contas, é business as usual. Tudo isto acontece apenas
porque está a celebrar-se a já ritual semana de luta que se segue a qualquer
decisão de inconstitucionalidade, desta vez apenas amplificada pelo facto de,
no calendário deste ano, esta semana coincidir com a campanha, também já
inaugurada, de pressão sobre a próxima decisão do Tribunal Constitucional.
Este
Governo não respeita o TC. Cumpre as suas decisões, pudera, porque é obrigado.
Mas ignora e atropela, sistematicamente, todas as indicações do TC. Em 2011, o
TC disse que só excepcionalmente admitia o referido imposto especial e
extraordinário sobre funcionários e pensionistas, mas, logo em 2012, o Governo
tentou fazer acrescer-lhe outro imposto equivalente a dois salários
(conseguiu-o, na prática, mas o TC reafirmou a inconstitucionalidade,
advertindo que não havia lugar para mais impostos só sobre alguns). Porém,
chega o Orçamento de 2013 e, com ele, outra tentativa de novo imposto, desta
vez equivalente a um salário, e mais uma esperada decisão de
inconstitucionalidade. Será que o Governo se conformou finalmente à legalidade?
Qual quê! Logo em 2014, novo e ainda mais grave imposto, precisamente este que
foi agora considerado inconstitucional. E é, então, este mesmo Governo que
agora quer conhecer exactamente o montante que pode reter para, diz, não
incorrer em eventual ilegalidade. Digam-nos, por favor, o que a lei impõe.
Correr o risco de cometer uma ilegalidade, credo… É bonito, é mesmo comovente,
há que reconhecer.
Pode ser pobre e
mal-agradecido, mas, o seu a seu dono, tem uma lata incomensurável.
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