segunda-feira, 23 de junho de 2014

RECUSAR GUINÉ EQUATORIAL NA CPLP


A Guiné Equatorial é um país da África Ocidental e tem o maior PIB per capita do continente africano. Apesar disto, 70% da população vive abaixo do limiar da pobreza.
A sua forma de governo é uma ditadura feroz com três décadas e meia de existência, onde o respeito pelos mais elementares direitos humanos é quase inexistente, segundo organizações insuspeitas como a Amnistia Internacional. Também o nível de corrupção existente na Guiné Equatorial é dos mais elevados do mundo, ocupando a 163ª posição entre 177 países, no Índice de Percepção sobre Corrupção de 2013 da Transparência Internacional.
É neste quadro que o ditador Teodoro Obiang, no poder desde 1979, candidatou o país a membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Muitas personalidades e organizações da CPLP se têm insurgido contra a possibilidade de uma sanguinária ditadura vir a fazer parte de uma organização cujos estatutos proíbem a pena de morte, exigem a existência de práticas democráticas, promoção do respeito pelos direitos humanos e melhoria das condições de vida das populações, para referirmos apenas os principais pontos.
Um grupo de mais de 50 personalidades de relevo de vários países, alguns deles não pertencentes à CPLP vem agora tomar posição sobre este tema, numa Carta Aberta aos Chefes de Estado e de Governo dos países da CPLP (*).
Exmos. Senhores Chefes de Estado e de Governo dos países da CPLP,
No dia 20 de Fevereiro de 2014, os Ministros de Negócios Estrangeiros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), recomendaram que a Guiné Equatorial se tornasse membro de pleno direito da CPLP, decisão que deverá ser ratificada durante a Conferência que terá lugar daqui a um mês, em Díli.
Um dos “progressos” registados pelos ministros, face ao Programa de Adesão de Julho de 2012, foi o anúncio da adoção de uma moratória sobre a pena de morte. Porém, organizações como a Amnistia Internacional divulgaram que pouco tempo antes, pelo menos quatro pessoas, “senão mesmo nove”, foram executadas. Estas mortes levantam sérias dúvidas sobre a motivação da moratória apresentada. 
Acresce o facto de nada ter sido introduzido na Constituição ou na lei penal ordinária que permita concluir com segurança que o país tenciona pôr fim à pena de morte. A anunciada “moratória temporária à aplicação da pena de morte”, contida na Resolução Presidencial n.º 426/2014, não passa disso mesmo: uma decisão, temporária, que não foi sequer submetida a ratificação parlamentar nem a referendo popular. Continuam também a registar-se várias execuções extrajudiciais pelas forças de segurança governamentais.
É, pois, incompreensível, que os Ministros tenham concluído existirem “progressos” nesta matéria.
Segundo a Amnistia: “a Guiné Equatorial apresenta uma situação muito preocupante de direitos humanos, tendo falhado na adoção de muitas das recomendações feitas no âmbito da avaliação periódica das Nações Unidas”. Também a Human Rights Watch e o Departamento de Estado dos EUA, num relatório de Fevereiro, denunciam casos de detenções extrajudiciais em que os detidos ficam sem acesso ao exterior, desaparecimentos forçados, práticas de tortura e limitação ao exercício dos direitos políticos em democracia.
A corrupção a todos os níveis é outro problema grave. De acordo com várias organizações internacionais, o filho mais velho do Presidente Obiang, enquanto ministro da Agricultura e Florestas, extorquiu fundos públicos que canalizou através de empresas fictícias para contas bancárias sob o seu controlo. Teodorin Obiang foi procurado pela justiça internacional mas isso não impediu o seu pai de rever a Constituição do país e criar o cargo de segundo vice-presidente para o seu filho.
Não é pois de espantar que, pelo segundo ano consecutivo, a Guiné Equatorial tenha ficado na 163.ª posição, num ranking de 177 países, no Índice de Percepção sobre Corrupção de 2013 da Transparência Internacional. Apesar de receitas elevadíssimas provenientes dos recursos naturais, Obiang e o seu regime mantêm, deliberadamente, 70% da população a viver abaixo do limiar da pobreza.
Em suma, pouco ou nada mudou desde a Cimeira de Maputo de 2012 – a não ser as manobras de propaganda e de compra de favores por parte da Guiné Equatorial. Os milhões de dólares que o regime tem investido não conseguem, porém, esconder as violações de direitos humanos.
Assim e sob o risco de serem violados os Estatutos da CPLP, de ser descredibilizada esta instituição e de serem postos em causa direitos do povo da Guiné Equatorial, os subscritores desta missiva instam V. Exas a:
1. Recusar a adesão da Guiné Equatorial à CPLP como membro de pleno direito enquanto não estiver comprovado, na lei e na prática do país, o cumprimento das condições dos Estatutos da CPLP, designadamente a abolição efectiva da pena de morte;
2. Estabelecer pré-requisitos formais e substantivos de democratização política e de canalização das receitas nacionais para a melhoria efectiva das condições de vida das populações, ao abrigo dos princípios orientadores consagrados no artigo 5.º dos Estatutos da CPLP;
3. Exigir que as práticas democráticas, a boa governação e o respeito pelos Direitos Humanos sejam promovidos entre os seus membros e se espelhem nas actividades e estratégias de alargamento e aprofundamento da organização ao abrigo do n.º 2 do artigo 5.º dos Estatutos da CPLP.
(*) Público, 23/6/2014

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