A
Guiné Equatorial é um país da África Ocidental e tem o maior PIB per capita do continente africano. Apesar
disto, 70% da população vive abaixo do limiar da pobreza.
A
sua forma de governo é uma ditadura feroz com três décadas e meia de existência,
onde o respeito pelos mais elementares direitos humanos é quase inexistente,
segundo organizações insuspeitas como a Amnistia Internacional. Também o nível
de corrupção existente na Guiné Equatorial é dos mais elevados do mundo,
ocupando a 163ª posição entre 177 países, no Índice de Percepção sobre
Corrupção de 2013 da Transparência Internacional.
É
neste quadro que o ditador Teodoro Obiang, no poder desde 1979, candidatou o país
a membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Muitas
personalidades e organizações da CPLP se têm insurgido contra a possibilidade
de uma sanguinária ditadura vir a fazer parte de uma organização cujos
estatutos proíbem a pena de morte, exigem a existência de práticas
democráticas, promoção do respeito pelos direitos humanos e melhoria das
condições de vida das populações, para referirmos apenas os principais pontos.
Um
grupo de mais de 50 personalidades de relevo de vários países, alguns deles não
pertencentes à CPLP vem agora tomar posição sobre este tema, numa Carta Aberta
aos Chefes de Estado e de Governo dos países da CPLP (*).
Exmos.
Senhores Chefes de Estado e de Governo dos países da CPLP,
No
dia 20 de Fevereiro de 2014, os Ministros de Negócios Estrangeiros da
Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), recomendaram que a Guiné
Equatorial se tornasse membro de pleno direito da CPLP, decisão que deverá ser
ratificada durante a Conferência que terá lugar daqui a um mês, em Díli.
Um
dos “progressos” registados pelos ministros, face ao Programa de Adesão de
Julho de 2012, foi o anúncio da adoção de uma moratória sobre a pena de morte.
Porém, organizações como a Amnistia Internacional divulgaram que pouco tempo
antes, pelo menos quatro pessoas, “senão mesmo nove”, foram executadas. Estas
mortes levantam sérias dúvidas sobre a motivação da moratória
apresentada.
Acresce
o facto de nada ter sido introduzido na Constituição ou na lei penal ordinária
que permita concluir com segurança que o país tenciona pôr fim à pena de morte.
A anunciada “moratória temporária à aplicação da pena de morte”, contida na
Resolução Presidencial n.º 426/2014, não passa disso mesmo: uma decisão,
temporária, que não foi sequer submetida a ratificação parlamentar nem a
referendo popular. Continuam também a registar-se várias execuções
extrajudiciais pelas forças de segurança governamentais.
É,
pois, incompreensível, que os Ministros tenham concluído existirem “progressos”
nesta matéria.
Segundo
a Amnistia: “a Guiné Equatorial apresenta uma situação muito preocupante de
direitos humanos, tendo falhado na adoção de muitas das recomendações feitas no
âmbito da avaliação periódica das Nações Unidas”. Também a Human Rights Watch e
o Departamento de Estado dos EUA, num relatório de Fevereiro, denunciam casos
de detenções extrajudiciais em que os detidos ficam sem acesso ao exterior,
desaparecimentos forçados, práticas de tortura e limitação ao exercício dos
direitos políticos em democracia.
A
corrupção a todos os níveis é outro problema grave. De acordo com várias
organizações internacionais, o filho mais velho do Presidente Obiang, enquanto
ministro da Agricultura e Florestas, extorquiu fundos públicos que canalizou
através de empresas fictícias para contas bancárias sob o seu controlo.
Teodorin Obiang foi procurado pela justiça internacional mas isso não impediu o
seu pai de rever a Constituição do país e criar o cargo de segundo
vice-presidente para o seu filho.
Não
é pois de espantar que, pelo segundo ano consecutivo, a Guiné Equatorial tenha
ficado na 163.ª posição, num ranking de 177 países, no Índice de
Percepção sobre Corrupção de 2013 da Transparência Internacional. Apesar de
receitas elevadíssimas provenientes dos recursos naturais, Obiang e o seu
regime mantêm, deliberadamente, 70% da população a viver abaixo do limiar da
pobreza.
Em
suma, pouco ou nada mudou desde a Cimeira de Maputo de 2012 – a não ser as
manobras de propaganda e de compra de favores por parte da Guiné Equatorial. Os
milhões de dólares que o regime tem investido não conseguem, porém, esconder as
violações de direitos humanos.
Assim
e sob o risco de serem violados os Estatutos da CPLP, de ser descredibilizada
esta instituição e de serem postos em causa direitos do povo da Guiné
Equatorial, os subscritores desta missiva instam V. Exas a:
1.
Recusar a adesão da Guiné Equatorial à CPLP como membro de pleno direito
enquanto não estiver comprovado, na lei e na prática do país, o cumprimento das
condições dos Estatutos da CPLP, designadamente a abolição efectiva da pena de
morte;
2.
Estabelecer pré-requisitos formais e substantivos de democratização política e
de canalização das receitas nacionais para a melhoria efectiva das condições de
vida das populações, ao abrigo dos princípios orientadores consagrados no
artigo 5.º dos Estatutos da CPLP;
3.
Exigir que as práticas democráticas, a boa governação e o respeito pelos
Direitos Humanos sejam promovidos entre os seus membros e se espelhem nas
actividades e estratégias de alargamento e aprofundamento da organização ao
abrigo do n.º 2 do artigo 5.º dos Estatutos da CPLP.
(*) Público,
23/6/2014
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