O historiador e dirigente do Bloco de
Esquerda, Fernando Rosas, assina hoje no Público um excelente artigo de opinião
em que refere de forma clara a necessidade de uma convergência que leve “à construção
de uma alternativa credível ao neoconservadorismo” embora essa aproximação não
possa ser levada a cabo já nas eleições europeias.
O texto de Fernando Rosas é de leitura
obrigatória na medida em que clarifica a posição do Bloco frente a muita
propaganda de má fé que está a ser levada a cabo pelos opinadores do regime.
À esquerda do PS, existe em
Portugal um campo político e social de que o geral dos comentadores, por
conveniência ou descuido, costuma esquecer. No entanto, tendo em conta os
resultados das eleições legislativas desde 1999 – ano em que nasceu o Bloco –, ele
representa, no seu conjunto, entre 15 e 20% dos eleitores deste país e
provavelmente bem mais do que isso no que respeita à luta popular contra as
medidas de destruição do Estado social hoje em curso. Ou seja, é uma força
decisiva quer na resistência à atual ofensiva contra a democracia social e
política, quer na construção de uma alternativa credível ao neoconservadorismo.
Não é de admirar que perante
a violência e extensão da ofensiva em curso – efetivamente o que temos pela
frente é um verdadeiro plano de subversão, uma contra-revolução por enquanto
pacífica –, ou perante a generalizada capitulação das sociais-democracias europeias
(a aliança de Governo SPD-Merkel; a “viragem” do sr. Hollande; as versões
pastosas da “austeridade benévola” do PS de Seguro), é natural, dizia, que
neste território da esquerda surjam dúvidas e diferenças acerca do caminho a
seguir em tão complexa situação. O que me parece essencial é não perder o
norte.
Assim sendo, ninguém pode
estranhar que o Bloco de Esquerda, nos recentes encontros com promotores do
Manifesto 3D, não tenha achado curial colocar-se na posição de andar a recolher
assinaturas para constituir um novo partido com função de “envelope”, mas no
qual os seus militantes nem sequer se poderiam inscrever (a dupla filiação
partidária é ilegal), muito menos participar na sua direção. Também não se pode
estranhar que o Bloco discorde de uma coligação com um projeto de partido que
ocultaria divergências programáticas de substância, sobejamente conhecidas, e a
pertença a espaços políticos opostos no plano europeu. Tudo para incluir agora
quem escolheu afastar-se há bem pouco tempo. Não vejo como podem coexistir na
mesma convergência os que defendem uma Europa federal e um governo europeu com
os que, como o Bloco, recusam essa perspectiva em nome da democracia na Europa
e da soberania dos Estados.
A convergência à esquerda é
um processo que há-de respeitar identidades e percursos. E que só pode assentar
em princípios e compromissos claros e transparentes, desde logo para quem
deposita expectativa e esperança na luta a que metemos ombros. Sem atropelar
ninguém e sem enganar ninguém. Por isso mesmo é um processo que exige
ponderação, respeito mútuo e persistência.
Eu acho que no Bloco se sabe
bem que assim é. Que se sabe, com um saber de experiência feito, que nas
condições atuais, à esquerda ninguém chega a bom porto ignorando as outras
energias sociais e políticas em tensão. Pensar que se pode prescindir dessa
concentração de esforços traduz-se, frequentemente, numa espécie de deriva
sectária que, no fundo, oculta a demissão de apostar realmente na alteração das
relações de força.
Por isso mesmo, o Bloco
apresentou, nos referidos encontros, algumas propostas que me parecem sérias e
equilibradas: se os promotores do Manifesto 3D se constituíssem como partido, o
Bloco proporia uma coligação eleitoral com base na proximidade evidente de
propostas programáticas de resposta à situação atual que entre as duas
entidades existe; se esse movimento não optasse pela forma partidária, o Bloco
estaria preparado para o considerar na sua autonomia específica e integrá-lo,
como tal, nas suas listas eleitorais (uma vez que só partidos ou coligações
podem concorrer às eleições europeias e legislativas).
Seja, como for, e mesmo que
esse entendimento não seja atingível para as europeias, penso que é preciso
continuar a persistir no rumo certo, com base em propostas e bases
programáticas claras e comuns.
Haveria, então, de se
trabalhar no sentido de uma plataforma política comum da esquerda solidária,
sem constrangimentos eleitorais imediatos, aberta à adesão dos partidos, forças
sociais ou personalidades que a ela quisessem aderir. E daí partir para o
resto.
Lembrem-se de
O’Neill: “Há mar e mar”. Nestes 40 anos de Abril acredito que havemos de ajudar
a construir, com sabedoria e tenacidade, essa maré alta de esperança que
reclamam os que hoje se veem privados dela.