quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A NECESSÁRIA CONVERGÊNCIA À ESQUERDA


O historiador e dirigente do Bloco de Esquerda, Fernando Rosas, assina hoje no Público um excelente artigo de opinião em que refere de forma clara a necessidade de uma convergência que leve “à construção de uma alternativa credível ao neoconservadorismo” embora essa aproximação não possa ser levada a cabo já nas eleições europeias.
O texto de Fernando Rosas é de leitura obrigatória na medida em que clarifica a posição do Bloco frente a muita propaganda de má fé que está a ser levada a cabo pelos opinadores do regime.
À esquerda do PS, existe em Portugal um campo político e social de que o geral dos comentadores, por conveniência ou descuido, costuma esquecer. No entanto, tendo em conta os resultados das eleições legislativas desde 1999 – ano em que nasceu o Bloco –, ele representa, no seu conjunto, entre 15 e 20% dos eleitores deste país e provavelmente bem mais do que isso no que respeita à luta popular contra as medidas de destruição do Estado social hoje em curso. Ou seja, é uma força decisiva quer na resistência à atual ofensiva contra a democracia social e política, quer na construção de uma alternativa credível ao neoconservadorismo.
Não é de admirar que perante a violência e extensão da ofensiva em curso – efetivamente o que temos pela frente é um verdadeiro plano de subversão, uma contra-revolução por enquanto pacífica –, ou perante a generalizada capitulação das sociais-democracias europeias (a aliança de Governo SPD-Merkel; a “viragem” do sr. Hollande; as versões pastosas da “austeridade benévola” do PS de Seguro), é natural, dizia, que neste território da esquerda surjam dúvidas e diferenças acerca do caminho a seguir em tão complexa situação. O que me parece essencial é não perder o norte.
Assim sendo, ninguém pode estranhar que o Bloco de Esquerda, nos recentes encontros com promotores do Manifesto 3D, não tenha achado curial colocar-se na posição de andar a recolher assinaturas para constituir um novo partido com função de “envelope”, mas no qual os seus militantes nem sequer se poderiam inscrever (a dupla filiação partidária é ilegal), muito menos participar na sua direção. Também não se pode estranhar que o Bloco discorde de uma coligação com um projeto de partido que ocultaria divergências programáticas de substância, sobejamente conhecidas, e a pertença a espaços políticos opostos no plano europeu. Tudo para incluir agora quem escolheu afastar-se há bem pouco tempo. Não vejo como podem coexistir na mesma convergência os que defendem uma Europa federal e um governo europeu com os que, como o Bloco, recusam essa perspectiva em nome da democracia na Europa e da soberania dos Estados.
A convergência à esquerda é um processo que há-de respeitar identidades e percursos. E que só pode assentar em princípios e compromissos claros e transparentes, desde logo para quem deposita expectativa e esperança na luta a que metemos ombros. Sem atropelar ninguém e sem enganar ninguém. Por isso mesmo é um processo que exige ponderação, respeito mútuo e persistência.
Eu acho que no Bloco se sabe bem que assim é. Que se sabe, com um saber de experiência feito, que nas condições atuais, à esquerda ninguém chega a bom porto ignorando as outras energias sociais e políticas em tensão. Pensar que se pode prescindir dessa concentração de esforços traduz-se, frequentemente, numa espécie de deriva sectária que, no fundo, oculta a demissão de apostar realmente na alteração das relações de força.
Por isso mesmo, o Bloco apresentou, nos referidos encontros, algumas propostas que me parecem sérias e equilibradas: se os promotores do Manifesto 3D se constituíssem como partido, o Bloco proporia uma coligação eleitoral com base na proximidade evidente de propostas programáticas de resposta à situação atual que entre as duas entidades existe; se esse movimento não optasse pela forma partidária, o Bloco estaria preparado para o considerar na sua autonomia específica e integrá-lo, como tal, nas suas listas eleitorais (uma vez que só partidos ou coligações podem concorrer às eleições europeias e legislativas).
Seja, como for, e mesmo que esse entendimento não seja atingível para as europeias, penso que é preciso continuar a persistir no rumo certo, com base em propostas e bases programáticas claras e comuns.
Haveria, então, de se trabalhar no sentido de uma plataforma política comum da esquerda solidária, sem constrangimentos eleitorais imediatos, aberta à adesão dos partidos, forças sociais ou personalidades que a ela quisessem aderir. E daí partir para o resto.
Lembrem-se de O’Neill: “Há mar e mar”. Nestes 40 anos de Abril acredito que havemos de ajudar a construir, com sabedoria e tenacidade, essa maré alta de esperança que reclamam os que hoje se veem privados dela.

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