Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen
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Dificilmente poderia dar inicio a uma intervenção sobre o 25 de Abril sem dizer da melhor ou da pior maneira este poema de Sophia de Mello Andresen.
Aquela madrugada histórica marcou de facto e ao fim de quase 50 anos o final de um período onde o falar claro era substituído pelo murmúrio, onde o silêncio por vezes podia fazer a diferença entre o calabouço e a falsificada liberdade Marcelista em que se vivia. E não foram apesar de tudo poucos os que ergueram a sua voz emergindo (como diz Sophia) da noite e do silêncio.
Desde 1926 muitas centenas senão mesmo milhares doaram os melhores anos das suas juventudes ou doaram mesmo a sua vida numa luta que parecia não ter fim, contudo não desanimaram.
Militantes comunistas, republicanos, anarquistas, anarco-sindicalistas, republicanos de tendência socialista católicos progressistas e outras tendências democráticas, sofreram as consequências ao dizer não, ao organizarem acções, jornais clandestinos, ou por simplesmente terem recolhido ingenuamente abaixo assinados pedindo eleições livres e a democratização do regime.
Portugal então apresentava índices semelhantes a muitos dos países que à décadas atrás se designavam do terceiro mundo: Uma mortalidade infantil elevadíssima, um analfabetismo endémico que em certas partes do país atingia níveis nunca vistos então na Europa do século XX.
Depois…uma emigração que se tornou uma sangria contínua de gentes para França para Alemanha para a Bélgica…E também uma sangria violenta de vidas de jovens que eram sacrificados no patíbulo de uma guerra que só persistia porque a cegueira da ditadura não entendia que tinha há muito chegado o momento das independências Africanas e que a Argélia o Senegal o Congo o Quénia a Tanzânia e tantos outros países africanos tinham deixado de ser colónias e que o inexorável caminhar da História era imparável, e que esse caminhar não era conciliável nem com impérios nem com guerras imperiais.
De maneira aparentemente contraditória foi o próprio exército que supostamente deveria manter um império que há muito tinha os dias contados que se virou contra o regime que os enviavam para uma guerra sem fim à vista, ou melhor uma guerra que era ela mesma um desastre com o descalabro e a derrota bem à vista.
Não posso deixar de prestar a minha homenagem a esses militares que num gesto heróico e desinteressado expuseram as suas vidas numa operação cujo resultado final não era nem seguro nem garantido.
Mas se em boa verdade o actores principais no inicio eram os militares rapidamente passaram a ser acompanhados pela população que de norte a sul saiu para a rua dando vivas á liberdade e apoiando os jovens soldados que rapidamente ganharam o estatuto de heróis.
Pessoalmente também fui um dos que iniciaram o desfile que começou em frente ao Liceu Nacional de Portimão (Hoje, Escola Secundária Poeta António Aleixo). Desfile esse que percorreu a muito acertadamente chamada avenida 25 de Abril, dirigindo-se até à zona portuária reunindo aí já umas largas centenas de cidadãos e dirigindo-se em seguida para a sede da PIDE/DGS.
Felizmente um grupo de velhos oposicionistas impediram a chegada da manifestação até junto da sede da PIDE, sabiam que no interior havia agentes e conheciam de gingeira os métodos da PIDE, assim temiam que tal como aconteceu em Lisboa esses agentes tomados pelo desespero disparassem sobre o grupo de manifestantes que já atingiam a ordem dos milhares.
É certo que o país nos anos seguintes passou por um período de variadas convulsões,
Mas também é certo que os trabalhadores e os mais pobres passaram a ter direitos garantias e liberdades as quais nem sonhavam que pudessem vir alguma vez a auferir.
Brigadas de jovens e soldados dirigiram-se para as regiões mais depauperadas para ensinar as gentes a ler e escrever explicando-lhes os direitos que passavam a ter.
A liberdade sindical, a liberdade de reunião e de organização de partidos políticos e outras organizações de cariz associativo ou cultural, a liberdade de imprensa com o fim da censura prévia, a pluralidade e a divulgação de diferentes opiniões eram as novidades então anunciadas e que se tornavam realidades verdadeiras e palpáveis.
O inicio da escolaridade obrigatória, a luta contra o trabalho infantil que foi tão prolongada e que infelizmente ainda hoje constitui um problema embora muito menor.
Veio também o Serviço nacional de saúde que constituiu uma das maiores conquistas dos portugueses. O poder municipal foi também uma conquista importantíssima que se tornou de Sul a Norte uma realidade passando pelas ilhas numa forma de poder de grande proximidade onde os cidadãos podem participar directamente fazendo-se ouvir em reuniões e assembleias.
A criação das regiões autónomas da Madeira e dos Açores que se tornaram novas realidades que passaram a fazer parte integrante da segunda República.
Todas estas conquistas foram resultantes não só desses poucos dias a seguir a Abril, foram resultado também de muitos anos de generosa luta.
Generosa também foi a nossa cidade abrindo os braços aos nossos concidadãos portugueses que vieram de Angola, de Moçambique da Guiné, que aqui se estabeleceram e que deram uma muito importante ajuda ao crescimento da nossa cidade, ao ponto de se poder dizer que existe um Portimão de antes da chegada dos nossos concidadãos de África e um Portimão de depois, tais foram as diferenças marcadas na nossa cidade pela chegada desses novos portimonenses.
Hoje passados 36 anos depois dessa madrugada de 25 de Abril de 1974 como nos deparamos!?
Vivemos desde o final do século XX uma crise endémica a que se juntou uma nova crise social filha dos primeiros anos do século XXI e não só.
Os dois maiores partidos do arco parlamentar têm gerido as crises da pior maneira aumentando as desigualdades sociais de maneira exponencial.
Os fundos Europeus foram abundantemente delapidados ou aplicados em projectos sem sentido, ou simplesmente escoaram-se como areia entre os dedos de alguém, ninguém sabe quem!
Gestores de empresas em que o estado detém “golden share”, recebem mais de 2 milhões de euros por ano em prémios em empresas que como a EDP trabalham em regime de monopólio, e isto quando muitos dos nossos idosos não podem ligar os aquecimentos eléctricos no Inverno porque não conseguem pagar o aumento de consumo de electricidade provocada pelo uso desses aparelhos.
Portugal perdeu uma oportunidade histórica, podia ter apostado no desenvolvimento sustentado e num desenvolvimento socialmente equilibrado mas as mais das vezes gastou dinheiro a rodos em elefantes brancos tais como o estádio do Algarve.
A nossa juventude vive precariamente a recibos verdes e colocados em pseudo estágios não remunerados e contratos a prazo de curta duração. As possibilidades de emprego há muito tempo que são poucas, e recém licenciados trabalham em empregos que não desonram absolutamente ninguém, antes pelo contrário, mas convenhamos que um país que paga parte da formação de um licenciado, perde quando este vai no fim da sua licenciatura trabalhar como caixa de supermercado.
O código de trabalho actual é o mais aberto possível a todo o tipo de tropelias por parte de alguns dos empregadores menos escrupulosos, que despedem funcionárias porque se encontram grávidas e por vezes sujeitam os seus funcionários a horários claramente ilegais sem que haja qualquer controlo ou fiscalização por parte dos serviços estatais.
O serviço nacional de saúde está a ser vendido aos pedaços e a mistura entre o privado e o público, onde ninguém sabe onde termina um e começa o outro têm aumentado cada vez mais os gastos com a saúde ao mesmo tempo que o serviço prestado vai paulatinamente perdendo qualidade.
Os médicos do SNS partem em debandada pedindo aposentações antecipadas, muitas vezes porque se sentem maltratados ou não dispõem de condições de trabalho aceitáveis ou porque acabam por preferir o trabalho nas unidades privadas que nascem como cogumelos à sombra de um SMS cada vez mais debilitado.
Os últimos anos têm visto também a escola pública degradar-se, perder autoridade e dignidade pela forma como tem sido tratada pelos últimos executivos que procuram maquilhar os resultados escolares com fins virtuais e metas imaginárias, para Europa ver, sempre com uma concepção economicista. O número de professores sem vínculo que passam a vida de cidade em cidade sem poder construir nem um projecto de vida nem uma família, aumenta de ano para ano, encontrando-se esses docentes em situação precária por vezes há mais de 15 anos.
Assim concidadãos que aqui nos encontramos para comemorar uma data que jamais esqueceremos e que apesar de tudo o referido, quem se revê nos princípios da equidade social e no apoio aos mais desprotegidos, aos desempregados, no apoio aos mais jovens, no apoio aos mais idosos e mais frágeis, quem se revê finalmente nos ideais do 25 de Abril nesta altura de grande turbulência e dificuldade politica e social, não desistirá, porque como diz a poeta Sophia de Mello Breyner “habitamos a substancia do tempo” e habitando essa substancia caros concidadãos, sabemos que essa mesma substância é mutável, e “se o mundo é composto de mudança” (Como dizia o grande Luiz de Camões), lutaremos pela sem descanso pela mudança, pelo retorno aos generosos ideais de Abril e por uma sociedade mais justa mais socialmente equilibrada e mais fraterna.
Viva o 25 de Abril!
Viva Portimão!
Fernando Gregório
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