“Vou vencer as sondagens”.
Líder do Bloco de Esquerda acusa Sócrates de desleixo, injustiça e facilitismo. Diz que vai ganhar às sondagens no dia das eleições.
Correio da Manhã – Acusa José Sócrates de governar com “entusiasmo liberal”. Foi esse entusiasmo que levou o País ao estado actual?
Francisco Louçã – O entusiasmo liberal é a desregulação do sistema financeiro, com aquela velha máxima de que a banca se regula a si própria e depois tivemos uma catadupa de crises bancárias que o contribuinte, os depositantes, enfim, os portugueses pagaram. Nacionalizámos prejuízos. É o caso do BPN. Os portugueses todos juntos pagaram, com o BPN e com o BPP, 2250 milhões.
- Não compra a versão do ministro das Finanças de que existia um risco para o sistema bancário?
- Havia riscos sistémicos que tinham de ser protegidos antes e que têm de ser protegidos em qualquer caso. Mas a nacionalização daqueles prejuízos foi trazer o risco sistémico para o contribuinte. Havia outras formas de agir há muito tempo. Toda esta delinquência financeira que foi a liberalização de olhos fechados, digamos assim… no essencial, a outra face da moeda, é que este Governo foi um governo de favorecimento.
- Quer dizer que foi uma governação baseada em interesses?
- É uma coligação de interesses que governa a economia portuguesa.
- É a avaliação que faz destes anos de governação de José Sócrates?
- Houve fases muito diferentes, medidas positivas. O complemento solidário de idosos é uma boa medida, que ajuda a compensar as pensões mais baixas num sistema que é deficitário, que tem uma dívida interna para os seus pobres. Os milhões de portugueses que são pobres são sobretudo os idosos e as pensões são baixas. Mas a gestão financeira e económica, as Parcerias Público–Privadas, a quebra do investimento, o facilitismo fiscal, o descontrolo de desregulação do sistema bancário que deu crises como o BCP, como o BPN, como o Banco Privado, teve um custo enorme para os portugueses. Significou desleixo, incompetência, muita injustiça e muito facilitismo. E tem um preço, porque nos atrasámos e estamos numa situação muito mais difícil agora.
- Há pontos de vista comuns entre o memorando da troika e o programa do Bloco. O BE defende a suspensão imediata das Parcerias Público-Privadas (PPP) e a troika também…
- Há hoje quase um consenso, já ninguém se atrevia a propor novas PPP, o problema é a renegociação. Eu digo que nós não podemos pagar 5% quando a economia está a cair, mas também não podemos pagar 14% que é o que se paga nas PPP.
- O BE quer renegociar…
- O juro exorbitante da dívida interna, já para não falar dos 10 mil milhões a que eu me referia, do reforço das seis concessões das Scut, que o tribunal alega até serem ilegais e abusivas, tem um juro de tal modo brutal sobre a economia que nós temos de a resgatar. Temos de renegociar essa dívida para baixar o juro. Não podemos continuar a pagar concessões de auto-estradas ou hospitais a 12% ou a 14% de juros.
- Recusou-se a falar com a troika. Não passou para o eleitorado uma certa ideia de inutilidade do BE?
- Passou a ideia da inutilidade do PSD e do CDS, porque Portugal não tem três governos, não tem governos-sombra. Partidarizar um negócio, uma negociação desse tipo é degradar a imagem do País.
- As sondagens que temos conhecido colocam o Bloco de Esquerda abaixo do que obteve nas últimas eleições. Teme o voto útil à esquerda como parece estar a ocorrer?
- Eu aprendi muito com as sondagens e vou vencê-las, quero vencê–las, estão totalmente enganadas com o Bloco de Esquerda. Hoje, a disputa do BE é a indecisão.
- A questão de um possível referendo à Lei do Aborto foi trazida por Passos Coelho para a campanha eleitoral. Faz algum sentido agora?
- Eu defendi um valor que foi aprovado pelos portugueses neste referendo que escolheu que as mulheres não fossem criminalizadas. E um referendo é sobre questões desta natureza, não sobre a regulamentação da lei. Não há referendos por isso, com franqueza. Isso é de uma superficialidade política inaceitável.
- Mas não há espaço para melhorar a lei, para a alterar?
- Não tem nenhum sentido repor na sociedade portuguesa um debate a favor da criminalização das mulheres, isso não tem base nenhuma.
- A lei não pode ser modificada?
- A lei funciona bem, tem funcionado muitíssimo bem.
“JOSÉ SÓCRATES JÁ METEU O RABO ENTRE AS PERNAS”
CM – Explique lá melhor a história da carta do Governo que apresentou no debate com José Sócrates. Afinal, a carta existe, não existe?
Francisco Louçã - O engenheiro Sócrates já meteu o rabo entre as pernas, se me permite a expressão. Há dois memorandos. Há um que o Governo traduziu depois de ter sido abanado num debate eleitoral – e um segundo que não traduziu, anexo à carta de intenções escrita ao FMI. Foi isso que eu citei e diz que será apresentado em Outubro uma alteração da Segurança Social. Essa alteração, que está no texto que citei e que atrapalhou o primeiro-ministro, terá de ser uma redução substancial da contribuição patronal para a Segurança Social do trabalhador. O primeiro-ministro é que nunca quis explicar o seu compromisso com o FMI a este respeito.
- Estaria disponível para um acordo pós-eleitoral com um PS vitorioso?
- Não. O PS fez acordo com a troika. E tem um compromisso que é cortar as pensões. O Bloco de Esquerda tem um outro compromisso que é defender as pensões.
- Está fora de questão qualquer entendimento com o PS?
- Está fora de questão proteger uma política incompetente que leva Portugal à bancarrota. Nós queremos todos os compromissos para que se caminhe para um governo de esquerda. E queremos o Bloco de Esquerda tão forte nestas eleições que nos faça avançar nesse sentido. Mas tem de ser um combate contra a bancarrota.
- É um dos políticos mais veteranos da cena política nacional. Qual é o seu prazo de validade no BE?
- Isso o Bloco de Esquerda decide.
- E se o BE tiver uma votação inferior à que obteve nas últimas eleições. Coloca o seu lugar à disposição?
-Essa pergunta só respondo na noite das eleições. Não tem sentido porque não estou nestas eleições para ter um resultado inferior, mas para ter um resultado superior.
PERFIL
Francisco Louçã, 54 anos, é natural de Lisboa. Licenciou–se em Economia, no Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa, onde concluiu também o doutoramento. Actualmente, dirige um dos centros do investigação científica da escola, a Unidade de Estudos sobre a Complexidade na Economia. Fundador do BE em 1999, é coordenador do partido desde então.
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