O voto só é útil para quem o recebe disse uma vez o prof. Adriano Moreira. Para mais, num momento em que os actores políticos estão tão descredibilizados – Sócrates é um típico exemplo – não faz qualquer sentido que o cidadão comum confie a sua rara possibilidade de intervir na escolha de quem vai conduzir os destinos do país àqueles partidos políticos que, usando sucessivamente o estafado argumento do voto útil, encaminharam Portugal para o estado que todos conhecemos. Não é preciso ser adivinho para vaticinarmos que a curto e médio prazos vamos assistir a um aumento do desemprego, das desigualdades sociais, da precariedade, do desmantelamento do Estado social, caso o arco PS/PSD/CDS obtenha, em 5 de Junho, uma significativa maioria.
No texto seguinte, a eurodeputada Marisa Matias desmistifica a chantagem que constitui o apelo ao “voto útil”.
Seja útil
“Como sempre acontece a cada eleição, discute-se sem fim a utilidade do voto. Aparentemente, há uns votos que são mais úteis do que os outros e o papel de cada um e cada uma de nós é estar à altura dessa utilidade que nos é pedida.
Sempre tive muita dificuldade em perceber esta classificação. Primeiro, porque um voto numa eleição é um exercício de um direito, é a manifestação de uma vontade, é fazer parte de um projecto colectivo, é um acto individual, é muitas coisas e, acima de tudo, é uma prática de cidadania. Por outro lado, se fosse apenas para ser útil, no mínimo deveria perguntar-se: útil para quem? Para quem vota? Para quem “recebe” o voto? Quando um pensionista pobre vota numa proposta para um governo que tem como medida uma redução ainda maior da sua pensão está a ser útil a quem? Quando uma funcionária do Estado vota num programa que lhe destina um corte no salário ou mesmo o despedimento está a ser útil a quem?
Nos termos em que é colocada a pressão do voto útil, quem menos conta é quem vota. Para além do sentido de responsabilidade individual em que, obviamente, se funda a democracia, é exigido aos eleitores um “sentido de utilidade” com uma definição prévia do que é o “voto aceitável”. É como dizer: faça o favor de sacrificar o seu direito a bem do “interesse comum” ou de uma alegada “estabilidade governativa”. Mas quem define esse interesse comum? E que benefícios temos tido dessa suposta estabilidade que a cultura do voto útil tem promovido nas sucessivas eleições? O que nos propõem de diferente hoje os partidos que desde sempre apelaram ao voto útil e dele beneficiaram, PS e PSD? Atendendo ao estado actual da economia portuguesa, às crescentes desigualdades sociais, ao desemprego galopante, ao aumento da precariedade, ao desmantelamento do Estado social, e usando os mesmos termos, é fácil concluir quão úteis têm sido os sucessivos votos de confiança nos defensores do voto útil.
Estreita visão da democracia esta, que em vez de promover a livre escolha dos cidadãos adopta a postura “peso na consciência”, do “mexa-se, mas só um bocadinho” e do “cuidado com o que pode perder”. Uma visão que ainda por cima é perigosa porque reduz dramaticamente e escolha e a pluralidade democráticas.
Quando a maioria dos eleitores que irá exercer o seu direito de voto já pouco ou nada tem a perder, o mínimo que nos é devido é recusar esta chantagem. Em democracia não há ideias nem votos úteis, há opções. Façamo-lo sem amarras e por pura convicção.” (Marisa Matias, eurodeputada do BE)
Luís Moleiro
No texto seguinte, a eurodeputada Marisa Matias desmistifica a chantagem que constitui o apelo ao “voto útil”.
Seja útil
“Como sempre acontece a cada eleição, discute-se sem fim a utilidade do voto. Aparentemente, há uns votos que são mais úteis do que os outros e o papel de cada um e cada uma de nós é estar à altura dessa utilidade que nos é pedida.
Sempre tive muita dificuldade em perceber esta classificação. Primeiro, porque um voto numa eleição é um exercício de um direito, é a manifestação de uma vontade, é fazer parte de um projecto colectivo, é um acto individual, é muitas coisas e, acima de tudo, é uma prática de cidadania. Por outro lado, se fosse apenas para ser útil, no mínimo deveria perguntar-se: útil para quem? Para quem vota? Para quem “recebe” o voto? Quando um pensionista pobre vota numa proposta para um governo que tem como medida uma redução ainda maior da sua pensão está a ser útil a quem? Quando uma funcionária do Estado vota num programa que lhe destina um corte no salário ou mesmo o despedimento está a ser útil a quem?
Nos termos em que é colocada a pressão do voto útil, quem menos conta é quem vota. Para além do sentido de responsabilidade individual em que, obviamente, se funda a democracia, é exigido aos eleitores um “sentido de utilidade” com uma definição prévia do que é o “voto aceitável”. É como dizer: faça o favor de sacrificar o seu direito a bem do “interesse comum” ou de uma alegada “estabilidade governativa”. Mas quem define esse interesse comum? E que benefícios temos tido dessa suposta estabilidade que a cultura do voto útil tem promovido nas sucessivas eleições? O que nos propõem de diferente hoje os partidos que desde sempre apelaram ao voto útil e dele beneficiaram, PS e PSD? Atendendo ao estado actual da economia portuguesa, às crescentes desigualdades sociais, ao desemprego galopante, ao aumento da precariedade, ao desmantelamento do Estado social, e usando os mesmos termos, é fácil concluir quão úteis têm sido os sucessivos votos de confiança nos defensores do voto útil.
Estreita visão da democracia esta, que em vez de promover a livre escolha dos cidadãos adopta a postura “peso na consciência”, do “mexa-se, mas só um bocadinho” e do “cuidado com o que pode perder”. Uma visão que ainda por cima é perigosa porque reduz dramaticamente e escolha e a pluralidade democráticas.
Quando a maioria dos eleitores que irá exercer o seu direito de voto já pouco ou nada tem a perder, o mínimo que nos é devido é recusar esta chantagem. Em democracia não há ideias nem votos úteis, há opções. Façamo-lo sem amarras e por pura convicção.” (Marisa Matias, eurodeputada do BE)
Luís Moleiro
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