Shahd
Wadi que foi candidata pelo BE nas últimas eleições para o Parlamento Europeu
será oradora na Conferência “Palestina, Colonialismo, Racismo eResistência” a realizar no próximo dia 10 de Janeiro. É ela a autora do
seguinte texto:
Amor,
Morte e Gaza
Queria
partilhar histórias de amor em Gaza, de coragem, de resistência e de luta para
a liberdade. Mas já não há. Tudo morreu em Gaza. Todas as palavras morreram em
mim.
Não vou
escrever este artigo.
Tudo o que vou
escrever não terá sentido.
Nunca detestei
tanto escrever assim. Já não há palavras, já não há nem sequer raiva. Sinto-me
morta, cheirei tanta morte enquanto estive escondida atrás do ecrã do
computador que agora me sinto morta também.
Nunca senti que
escrever pode ser um acto assim tão fútil, nunca detestei a minha fuga nas
palavras, tão feio o som de teclado: bom bom bom! Prefiro mil vezes ouvir o som
das bombas a cair nas nossas cabeças, todos nós somos culpados neste massacre e
em muitos outros que já aconteceram.
A minha
solidariedade com o meu povo palestiniano em Gaza não tem sentido, tão fútil
parece esta palavra “solidariedade” perante as vidas humanas que deixaram de
ser vidas. Estamos aqui nesta parte do mundo, partilhamos uma foto ou duas no
facebook de crianças aterrorizadas e pedaços de corpos estilhaçados de mulheres
que foram um dia muito lindas, largamos uma lágrima ou duas, desligamos o
computador e depois vamos a praia, no máximo participamos numa manifestação de
“solidariedade” com Palestina, jantamos, bebemos um copo de vinho, vimos
televisão e fazemos amor.
Também em Gaza
havia amor, mas já morreu. Foi atingido por uma bomba israelita e ficou
completamente em pedaços, estilhaçado e completamente queimado, o amor
tornou-se cinza e foi pisado por tantas pessoas enquanto fugiam da morte.
“Também nós
amamos a vida quando podemos.” disse o poeta palestiniano Mahmoud Darwish. Mas
já não podemos. Já não há vida. Já não há amor. Em Gaza tudo foi morto,
assassinada, massacrado.
Não consigo
escrever este texto. Este texto não deve ser escrito, não faz sentido. Desde o
momento em que comecei a escrever até agora já mudou tantas vezes o número das
mortes que caiem como as flores numa tempestade de chuva de fogo. Queria
partilhar histórias de amor em Gaza, de coragem, de resistência e de luta para
a liberdade. Mas já não há. Tudo morreu em Gaza. Todas as palavras morreram em
mim.
Não deveria ser eu a escrever o artigo. Quem deveria escrever
este artigo já morreu.
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