“Em
casa de coxo não se pode falar em muletas” é um conhecido ditado popular. Com
todo respeito que merecem os portadores daquela deficiência, o muito provável
caso de corrupção existente à volta da aquisição de dois submarinos pelo
governo português, no tempo em que Durão Barroso era primeiro-ministro e Paulo
Portas ministro da defesa, deixa as principais figuras do CDS muito nervosas
quando é aludido em público… O último exemplo de uma cena deste tipo teve lugar
há poucos dias na TVI 24, onde estava presente o eurodeputado Nuno Melo, o mais
recente delfim de Paulo Portas. O sujeito reagiu de uma forma completamente
desproporcionada em relação à certeza que tem sobre a inocência do presidente
do seu partido.
O
DCIAP iniciou há oito anos a investigação sobre o negócio dos submarinos, tendo
por base uma suspeita de corrupção relativa ao mesmo. Passado todo este tempo,
a montanha pariu um rato ou seja, o processo foi arquivado.
Neste
artigo de opinião, João Semedo, deputado do BE e membro da Comissão Parlamentar
de Inquérito à aquisição de submarinos e outros equipamentos militares,
pronuncia-se sobre a evolução do processo.
Não
é aceitável que uma investigação se prolongue por mais de oito anos. E que,
oito anos depois, o resultado seja um flop. Se tivesse havido acusação, os
crimes já tinham prescrito. Ridículo. Não é bom para a imagem da justiça, nem
para a credibilidade da investigação criminal. Os suspeitos vão ardendo em lume
brando.
A
democracia exige muito mais. Mas por mais críticas que se faça ao MP, nenhuma
crítica autoriza que se pretenda transformar o arquivamento na absolvição dos
investigados. E, hoje, esse é o ponto.
Há
oito anos, o DCIAP iniciou uma investigação ao negócio dos submarinos por
suspeita de corrupção sob a forma de pagamento de luvas a decisores políticos.
Entenda-se, decisores políticos neste caso são dois: Durão Barroso e Paulo
Portas. O primeiro era chefe do governo que fechou a compra dos submarinos, o
segundo era ministro da Defesa e, como ambos disseram no inquérito parlamentar,
a responsabilidade foi toda de Paulo Portas. Exilado em Bruxelas, Durão Barroso
ficou na sombra da investigação, toda a suspeita se centrou em Paulo Portas.
Injusto? Talvez, mas acontece. Se a justiça nem sempre é justa, muito menos o
são os inquéritos criminais…
O
DCIAP precisou de oito anos para arquivar o processo. Ninguém foi acusado, não
se provou o crime de corrupção. A direita suspirou de alívio, transformou o
arquivamento na “absolvição” de Paulo Portas que, finalmente, “pode dormir
tranquilo”.
Esta
“absolvição” de Paulo Portas tem tanto de encenada como de precipitada, como
qualquer um percebe se ler o despacho de arquivamento ou se tiver acesso aos
documentos recolhidos e às audições realizadas no inquérito parlamentar. É uma
“absolvição” construída sobre os silêncios de uns e as mentiras de outros, em
alguns casos os mesmos, e que beneficiou do desaparecimento de documentos muito
reveladores. Por isso é uma absolvição frágil, muito frágil.
O
que diz o despacho?
Que
foram detetadas ilegalidades administrativas, que podiam levar à nulidade do
contrato. Que foi obscura a adjudicação da operação financeira que pagou os
submarinos. Que Paulo Portas excedeu o mandato conferido pelo Conselho de
Ministros em 2003 ao celebrar um contrato de compra diferente dos termos
estabelecidos na adjudicação. Que Paulo Portas conduziu negociações que
decorreram de forma opaca e produziram alterações significativas no
equipamento, na fórmula de cálculo do preço e nas contrapartidas. Que foi Paulo
Portas a incluir o BES no consórcio que financiou a compra dos submarinos, em
detrimento de outros bancos. Que foi Paulo Portas que se envolveu diretamente
nas negociações, inclusive com o próprio Ricardo Salgado, para rever em alta o
contrato de financiamento: a margem de lucro para os bancos do consórcio
aumentou de 0,19 para 0,25%, com obvio prejuízo para as contas públicas.
Absolvição?
E,
finalmente, que esta documentação desapareceu do Ministério de Paulo Portas,
impedindo de se “percepcionar o modo como se desenrolou o processo concursal
que culminou com a celebração dos contratos de financiamento”. Desaparecimento
que ninguém – governos, MP - achou por bem investigar.
Ao
ministro Paulo Portas cabia cuidar da conservação destes documentos.
Convenhamos ser um desaparecimento muito conveniente. Sem papéis não há provas,
sem provas não há acusação, sem acusação não há crime, sem crime não há
condenação. Quem beneficiou com a negligência de Paulo Portas? E nem as
célebres fotocópias apareceram para dar uma ajuda aos investigadores…
Absolvição?
O
despacho do MP diz preto no branco o que silêncios e mentiras conseguiram
esconder no inquérito parlamentar Os administradores da Escom, ouvidos no
Parlamento, recusaram ter pago prémios, bónus ou luvas fosse a quem fosse. “Só
pagámos a colaboradores e de acordo com as regras habitualmente praticadas”.
Vejamos.
Os alemães contrataram e pagaram 30 milhões de euros à Escom, empresa do BES,
pela assessoria às contrapartidas nacionais. Como hoje sabemos, essas
contrapartidas foram um fiasco. Não admira. A contratada Escom era
especializada em projetos de investimento em África e as contrapartidas eram
para empresas portuguesas. As razões desta contratação, ainda hoje, são um
mistério.
30
milhões por um fiasco. 5 milhões foram para a família Espírito Santo. Um milhão
para cada ramo, como está registado nas atas gravadas do Conselho Superior do
GES, cuja audição deve ser interdita a crianças e pessoas de sensibilidade mais
apurada. Segundo um administrador da própria Escom, 16 milhões foram prémios
distribuídos aos três membros da administração e a um consultor. E cerca de 4
milhões pagaram custos financeiros e administrativos, despesas de consultoria
(técnica, jurídica, financeira) e alguns salários. Por último – e segundo o
mesmo administrador, um pouco mais de 2 milhões foram consumidos na criação de
um fundo secreto nas Bahamas apenas com o objetivo de esconder o destino do
dinheiro pago pelos alemães à Escom.
A
ser verdade o que contou esse administrador da Escom, tudo somado, faltam 3
milhões de euros. Onde estão, a que mãos foram parar? Não sabemos, a
investigação não descobriu, quem sabe e quem o recebeu não diz, silêncios e
mentiras que os paraísos fiscais protegem.
Faltam
três milhões e alguém foi contemplado com eles. Nestas negociatas, quem
distribui o “lucro”, quem “paga” não se engana: só recebe quem merece e só
merece quem ajuda, quem colabora, quem facilita, quem decide. No mundo da
corrupção não há borlas nem desperdícios. Não é difícil ver quem terá, também,
merecido o seu quinhão, aqueles milhões. Afinal de contas, nesta história,
sabemos bem quem foi quem e quem fez o quê. Absolvição?
Termino, repetindo o que
disse no final da comissão de inquérito: voltaremos a ouvir falar dos
submarinos. Para alguns, continuarão a ser um pesadelo.
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