Por
toda a Europa estamos a assistir à captura de forças com nome de esquerda pela
prática neoliberal, de tal modo que se formam alianças contranatura como por
exemplo sucede na Alemanha em que o SPD se encontra coligado com a direita da
senhora Merkel. É como se o impossível acontecesse. Por cá, esse cenário não está
excluído, havendo mesmo personalidades que defendem uma solução tipo bloco
central com uma aliança PS/PSD. E devemos estar precavidos em relação a esse
cenário.
Um
governo do bloco central permitiria à direita meter o PS no bolso com a
consequente continuação das actuais políticas de austeridade, mais ou menos
maquilhadas. Mas o cenário de um governo PS com maioria absoluta ainda poderia
trazer maiores desilusões na medida em que permanecesse o “desígnio essencial
de diminuir os custos do trabalho e aumentar os rendimentos do capital”.
O
silêncio do actual líder do PS deve deixar os portugueses em alerta até porque
a história nos ensina que a retórica de esquerda dos “socialistas” antes das
eleições é substituída por uma prática de direita, uma vez chegados ao poder. É,
partindo deste cenário que três dirigentes (*) do Bloco de Esquerda reflectem
no Público de hoje sobre a necessidade da criação de “um horizonte de esperança concreta e
séria” que mexa no que “realmente conta nas
nossas vidas”.
Portugal
precisa de mais clareza que nunca nas propostas políticas e total frontalidade
no seu debate. O sofrimento das pessoas e a diminuição da democracia não
admitem mais silêncios nem táticas de fingimento sobre o que é essencial. Neste
momento precisamos de ter a força necessária para podermos decidir sobre o rumo
que queremos para o país. E isso implica assumir compromissos claros com o
povo, sem qualquer ambiguidade e identificando com seriedade o que nos permite
ter essa força e o que no-la rouba.
A
austeridade é a política realmente existente da União Europeia. Não é por falta
de qualidade das lideranças nem por falta de boa vontade que a coesão social e
territorial não são prioridades políticas da Europa. É por ser esse o resultado
da relação de forças na política europeia. A aliança entre o social-liberalismo
e o conservadorismo antissocial que governa a União já mostrou que não terá
complacência para com qualquer devaneio que se afaste do desígnio essencial de
diminuir os custos do trabalho e aumentar os rendimentos do capital. O
raspanete da Comissão Europeia a Lisboa por ter decidido aumentar em 19 euros o
salário mínimo nacional é disso prova mais que eloquente. Não há leitura
‘inteligente’ ou ‘flexível’ do Tratado Orçamental. Não há qualquer dinheiro
fresco para investir na economia europeia. Há austeridade, só austeridade.
Por
isso, o silêncio de António Costa é tão ruidoso: o silêncio sobre o que fazer
com a dívida, sobre como governar com o garrote do Tratado Orçamental, sobre a
devolução dos salários e pensões a quem trabalha e sobre como atacar o
desemprego e a pobreza. Acenar com mudanças de governação nacional confiando
que a Europa mudará é acenar com um embuste. Este país que sofre precisa agora
de um horizonte de esperança concreta e séria, que arranque das condições
concretas que são as suas, e não de uma fantasia que mude protagonistas e
estilo mas não mude o que realmente conta nas nossas vidas.
A
reestruturação da dívida não é uma teimosia. É uma urgência evidente. Pagamos
mais em juros da dívida do que em educação pública e quase o equivalente ao que
gastamos com o Serviço Nacional de Saúde. Num país com a altíssima taxa de
desemprego que temos, sem um processo de reestruturação da dívida, não há capacidade
de alocar recursos para gerar emprego e para distribuir riqueza.
Afirmar
o princípio do controlo público sobre os setores estratégicos da nossa economia
não é um delírio. É uma urgência evidente. Trinta anos de alternância entre PS
e PSD fizeram das privatizações uma fonte de severa fragilização do país e de
alimentação de uma classe que vive a vida fácil da promiscuidade entre a
política e os negócios. O controlo público desses setores e dos bens comuns é
uma peça fundamental para ter uma economia com capacidade de crescer, com o
interesse público como prioridade indeclinável.
A
alternativa séria que o país exige faz-se de uma combinação sábia entre utopia
e pragmatismo. O pragmatismo de que precisamos é o de ganhar força para fazer o
que é essencial para o país já, para garantir que há futuro. É o de acabar com
as políticas em que todos estão ao serviço de poucos. É o de acabar com a
corrupção do sistema, certos de que o sistema é a corrupção e a corrupção é o
sistema.
São
estes os combates que não podem ser silenciados, seja em nome de um pacto de
rendição à Europa que nos pune, seja em nome de uma ilusão de ajudar à viragem
à esquerda de quem não está, nem nunca esteve, para aí minimamente virado.
Ensinou-nos
João Martins Pereira que “a Esquerda é ela própria projeto, interrogação,
descoberta, desejo. […] A Esquerda coloca-se, a si própria, todas as
alternativas, e não apenas as que lhe são dadas.” O Bloco de Esquerda sai da
sua recente convenção unido para as lutas que a democracia impõe a uma esquerda
digna desse nome. Desenganem-se os que não calam o seu desejo de ver o Bloco
reduzido em força e em coerência. Somos como sempre fomos. Não cedemos no que é
essencial para o país. Não faltaremos com apoio ao que é do interesse de quem
trabalha e de quem é atingido pelo desemprego. A esquerda é um projeto. Aqui
estamos, como sempre, empenhados em torná-lo realidade.
(*) Fabian FigueiredoJosé Manuel PurezaNuno Moniz
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