terça-feira, 30 de dezembro de 2014

O DEPAUPERAMENTO DO ESTADO DE DIREITO


É cada vez mais óbvio para o cidadão comum que vivemos num estado de direito depauperado sendo que esta designação é, em muitos casos, benigna relativamente à realidade que constatamos todos os dias. Pior do que nos serem negados direitos é verificarmos as “reticências” que o poder coloca ao exercício daqueles que estão consagrados em lei. Muitas vezes é a contragosto que a lei é cumprida e, mesmo nestes casos, como se se tratasse de uma regalia que não devia ser usufruída. É a própria democracia que está em perigo.
Quando não há recursos suficientes para entravar o exercício de um direito democrático, existe sempre à mão o recurso ao sacrossanto humor do deus mercado que não pode ser ferido sob pena de caírem sobre nós as mais dolorosas catástrofes. Uma manobra deste tipo surte ainda melhor efeito se for acompanhada por uma bem urdida campanha de intoxicação da opinião pública como aconteceu recentemente perante a greve dos trabalhadores da TAP.
O texto seguinte foi retirado de um artigo de opinião, inserido no Público de hoje, em que o seu autor (*) aborda com muito a propósito os entreves inadmissíveis que o cidadão comum encontra no exercício dos seus direitos.
Escrevi aqui um artigo que designei de “A prisão preventiva de um e dos outros”. A minha perspectiva sobre os direitos, liberdades e garantias fundamentais. Observaram-me que eu lembrava o Velho do Restelo. Tratava sempre de direitos, liberdades e garantias. Ou para aí caminhava. Versasse outros assuntos mais actuais.
Muita gente pensa assim.
A realidade demonstra que as liberdades públicas e os direitos são sistematicamente maltratados. Os direitos não estão adquiridos e garantidos definitivamente.
O direito à Justiça é ainda uma miragem. Cidadãos presos preventivamente são acusados publicamente de factos gravíssimos. São impedidos de se defender publicamente, como a lei prevê. Só têm direito a ser acusados!
Os despedimentos, “mobilidade especial” e “requalificação profissional” sobrelevam o direito ao trabalho e justo salário. Os direitos sociais são postergados para o arquivo do inútil por um Governo sem lei. Mulheres são assassinadas às dezenas cada ano. Milhares de jovens emigram e estão desempregados. Crianças aos milhares estão ao abandono e desamparo. Os mais velhos, “memória de um povo”, são olhados  como um fardo social. Tidos por um problema pelo primeiro-ministro: “Eu não tenho nenhum problema com os reformados. O país é que tem”.
Responsáveis pela crise política, económica e social são os velhos que não morrem. Os desempregados e os jovens que não querem trabalhar. As mulheres maltratadas que se põem a jeito. Os meninos pobres dos subúrbios que não deviam ter nascido.
O direito a uma vida digna, que todos deveríamos ter, foi e está posto em causa. Vive-se e trabalha-se para saciar a voracidade fiscal. Sugados de impostos até à alma.
As  pessoas e questões sociais não integram o território da política e governança. Têm outros interesses e projectos. Mercadejar a granel as empresas do Estado aos “investidores institucionais”. Cumprir ordens do “deus dinheiro” ora dito mercados. Tributar-nos como vampiros. Só a conversa está a mudar. As eleições estão aí. O Governo  não quer que o seu poder “se lixe”.
Os poderes raro negam os direitos. Têm sempre é reticências.
Direito de defesa, sim. Mas em “papel selado”, com todas as mesuras e excelências. Com as regrinhas do regulamento.  Direito ao trabalho, sem dúvida. Só que o Estado e empresas estão hipotecados até à medula. Direito à greve, sem reservas. É constitucional. No momento, é inoportuna, injustificada, causa prejuízos e transtornos. É política. Reformas e pensões , incontestáveis. Mas a Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações estão falidas. Mulheres assassinadas é crime execrável. É com os tribunais, de quem se espera “pena exemplar”. Crianças ao abandono é problema das famílias pobres dos bairros sociais que são beneficiadas com subsídios chorudos.
O exercício da liberdade e direitos é um caminho longo e constante a percorrer. Martin Luther King não o esqueceu: “O que me preocupa é o silêncio dos bons”. Por isso o assassinaram.
(*) Alberto Pinto Nogueira, Procurador-geral adjunto


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