É
cada vez mais óbvio para o cidadão comum que vivemos num estado de direito
depauperado sendo que esta designação é, em muitos casos, benigna relativamente
à realidade que constatamos todos os dias. Pior do que nos serem negados direitos
é verificarmos as “reticências” que o poder coloca ao exercício daqueles que
estão consagrados em lei. Muitas vezes é a contragosto que a lei é cumprida e,
mesmo nestes casos, como se se tratasse de uma regalia que não devia ser
usufruída. É a própria democracia que está em perigo.
Quando
não há recursos suficientes para entravar o exercício de um direito democrático,
existe sempre à mão o recurso ao sacrossanto humor do deus mercado que não pode
ser ferido sob pena de caírem sobre nós as mais dolorosas catástrofes. Uma
manobra deste tipo surte ainda melhor efeito se for acompanhada por uma bem
urdida campanha de intoxicação da opinião pública como aconteceu recentemente
perante a greve dos trabalhadores da TAP.
O
texto seguinte foi retirado de um artigo de opinião, inserido no Público de
hoje, em que o seu autor (*) aborda com muito a propósito os entreves inadmissíveis
que o cidadão comum encontra no exercício dos seus direitos.
Escrevi
aqui um artigo que designei de “A prisão preventiva de um e dos outros”. A
minha perspectiva sobre os direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Observaram-me que eu lembrava o Velho do Restelo. Tratava sempre de direitos,
liberdades e garantias. Ou para aí caminhava. Versasse outros assuntos mais
actuais.
Muita
gente pensa assim.
A
realidade demonstra que as liberdades públicas e os direitos são
sistematicamente maltratados. Os direitos não estão adquiridos e garantidos
definitivamente.
O
direito à Justiça é ainda uma miragem. Cidadãos presos preventivamente são
acusados publicamente de factos gravíssimos. São impedidos de se defender
publicamente, como a lei prevê. Só têm direito a ser acusados!
Os
despedimentos, “mobilidade especial” e “requalificação profissional” sobrelevam
o direito ao trabalho e justo salário. Os direitos sociais são postergados para
o arquivo do inútil por um Governo sem lei. Mulheres são assassinadas às
dezenas cada ano. Milhares de jovens emigram e estão desempregados. Crianças
aos milhares estão ao abandono e desamparo. Os mais velhos, “memória de um
povo”, são olhados como um fardo social. Tidos por um problema pelo
primeiro-ministro: “Eu não tenho nenhum problema com os reformados. O país é
que tem”.
Responsáveis
pela crise política, económica e social são os velhos que não morrem. Os
desempregados e os jovens que não querem trabalhar. As mulheres maltratadas que
se põem a jeito. Os meninos pobres dos subúrbios que não deviam ter nascido.
O
direito a uma vida digna, que todos deveríamos ter, foi e está posto em causa.
Vive-se e trabalha-se para saciar a voracidade fiscal. Sugados de impostos até
à alma.
As
pessoas e questões sociais não integram o território da política e
governança. Têm outros interesses e projectos. Mercadejar a granel as empresas
do Estado aos “investidores institucionais”. Cumprir ordens do “deus dinheiro”
ora dito mercados. Tributar-nos como vampiros. Só a conversa está a mudar. As
eleições estão aí. O Governo não quer que o seu poder “se lixe”.
Os
poderes raro negam os direitos. Têm sempre é reticências.
Direito
de defesa, sim. Mas em “papel selado”, com todas as mesuras e excelências. Com
as regrinhas do regulamento. Direito ao trabalho, sem dúvida. Só que o
Estado e empresas estão hipotecados até à medula. Direito à greve, sem
reservas. É constitucional. No momento, é inoportuna, injustificada, causa
prejuízos e transtornos. É política. Reformas e pensões , incontestáveis. Mas a
Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações estão falidas. Mulheres
assassinadas é crime execrável. É com os tribunais, de quem se espera “pena
exemplar”. Crianças ao abandono é problema das famílias pobres dos bairros
sociais que são beneficiadas com subsídios chorudos.
O
exercício da liberdade e direitos é um caminho longo e constante a percorrer.
Martin Luther King não o esqueceu: “O que me preocupa é o silêncio dos bons”.
Por isso o assassinaram.
(*) Alberto
Pinto Nogueira, Procurador-geral adjunto
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