Cada
relatório publicado pela OCDE vem confirmar o efeito das políticas recessivas
impostas pelo neoliberalismo dominante. Confirma-se, assim, o sucesso desta
políticas com uma sistemática transferência de riqueza do trabalho para o
capital e um crescente fosso a separar uma pequena minoria de ricos de um
número cada vez maior de cidadãos empobrecidos. As desigualdades estão a
aumentar de forma galopante e já toda a gente percebeu que, na actual fase do
sistema capitalista, a tendência só pode ser para piorar.
No
texto seguinte, São José Almeida parte dos dados divulgados pela OCDE para
comentar a situação do aumento da desigualdade bem visível em Portugal.
A
notícia até parece positiva. Segundo o relatório da OCDE, divulgado na
terça-feira, o rendimento disponível dos portugueses diminuiu 2,3% ao ano,
entre 2007 e 2011.
Embora
este ritmo de empobrecimento seja superior à média dos países desenvolvidos
analisados pela OCDE, que se ficou apenas em menos 0,5%, o que é facto é que em
Portugal a quebra de rendimento neste quinquénio foi menor do que na Grécia
(8,3%), na Irlanda (4,2%) e em Espanha (3,6%). Assim – e esta é a boa notícia
–, Portugal é o que menos empobreceu, neste período, entre os países que foram
intervencionados pela troika e
obrigados a cumprir programas de austeridade.
Só
que a aparente boa notícia vem acompanhada de um assustador quadro geral sobre
o empobrecimento. Em particular sobre o aumento do fosso das desigualdades de
rendimento entre os mais pobres e os mais ricos, que em 2011 foi o maior em 30
anos. Em 2011, 10% da população mais rica nos países da OCDE teve um rendimento
9,5 vezes superior ao rendimento dos 10% mais pobres. Há quatro décadas, esta
diferença ainda era só de sete vezes mais. Já no que toca a Portugal, o fosso
da desigualdade de rendimento entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres
subiu para 10,7 vezes em 2012, quando era de 10 em 2011, de 9,4 vezes em 2010 e
de 10,6 em 2007 (Negócios online,
09/12/2014).
Estes
dados divulgados pela OCDE mostram como as políticas de empobrecimento em curso
destinadas a retirar rendimento às populações o fizeram de forma desigual,
aumentando o fosso da desigualdade. Sublinhe-se que as políticas de austeridade
começam a ser aplicadas em 2010, através dos cortes de salários introduzidos no
Orçamento do Estado para 2011. Ou seja, antes do acordo assinado pelo Governo
do PS, liderado por José Sócrates, com a Comissão Europeia, o Banco Central
Europeu e o Fundo Monetário Internacional, que disponibilizaram, em Maio 2011,
um empréstimo de 78 mil milhões de euros ao Estado português.
E
por mais que seja de festejar em Portugal o sucesso dos objectivos a que o
Governo do PSD e do CDS se propôs, por mais que tenha sido cumprido o guião de
transformações na sociedade portuguesa exigidas pelos credores, a verdade é que
os dados da OCDE apontam para um agravamento do fosso entre ricos e pobres.
Portanto, se tínhamos uma sociedade mais desigual logo em 2011 e que em 2012
acusa novo aumento da desigualdade, é plausível admitir-se que a situação terá
piorado com a austeridade que vigora até hoje.
Assim,
quando o Governo e o país celebram a admissibilidade de que as contas do Estado
possam caber dentro dos critérios estreitos do Tratado Orçamental, assim como o
desemprego estar nos 13,4% e terem baixado de forma drástica os juros pagos por
Portugal ao contrair empréstimos, quando o Banco de Portugal garante que o
Produto Interno Bruto vai conseguir crescer 1,5 % em 2015, a verdade é que
esse aparente sucesso da receita de ajustamento social e económico da sociedade
portuguesa se fez à custa de um aumento da desigualdade.
E
um dos números mais gritantes desse empobrecimento desigual é o que fala das
crianças. O Instituto Nacional de Estatística aponta para mais de 24% de
menores de 18 anos em risco de pobreza, quando a percentagem na população em
geral é de 18,7%. Números preocupantes a longo prazo, já que a pobreza e a
exclusão se reproduzem socialmente, caso não sejam combatidas e compensadas
pela acção política.
Durante
décadas, a Europa representou o ideal de um modelo de sociedade apostado em
garantir a dignidade humana através de uma política de redistribuição de
riqueza que procurava proporcionar o bem-estar colectivo. O chamado Modelo
Social Europeu decorria desse ideal e assentava nos pressupostos de que, para
além do valor do trabalho que assegurava uma remuneração salarial, competia ao
Estado compensar as desigualdades através de uma política de cobrança de
impostos destinados a financiar serviços públicos de prestação social, como a
Educação, a Saúde, a Segurança Social.
Este ideal de dignidade
humana foi afastado do centro do pensamento político europeu em resultado de
três décadas e meia de influência do neoliberalismo na Europa. E o novo
paradigma político parece conviver bem com a desigualdade, a pobreza e a
exclusão. Mesmo quando vitimizam crianças. É verdade que os tempos são outros.
É verdade que há direitos humanos que não são questionados. É verdade que o
trabalho infantil está erradicado da Europa. Mas quando se vê o aumento do
fosso da desigualdade e se constata o número de pessoas a viver nos limiares de
pobreza, bem como a exclusão que atinge quase um quarto das crianças
portuguesas, fica-se à espera de que surjam novos Dickens para denunciar um
novo mundo de repleto de “Tempos Difíceis”.
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