O
texto que o Prof. Santana Castilho assina hoje no Público é de excelência e seguramente
um dos seus melhores artigos de opinião desde que iniciou a sua colaboração
quinzenal com aquele diário. Merece uma leitura muito atenta porque é uma
chamada de atenção para a forma como a doutrina neoliberal está a tornar-se num
fundamentalismo dentro das várias dimensões da sociedade. Infelizmente, os mais
jovens, em especial, já não conseguem libertar-se deste fundamentalismo, negando
em definitivo a possibilidade de se construir outro modelo de sociedade. Alguns
de nós são capazes de testemunhar exemplos de jovens como aquele que o Prof. Castilho
aqui cita. Os sublinhados são nossos.
Ainda
não se esbateram os ecos provocados pela divulgação dos rankings das escolas de
ensino secundário e já estamos sob nova onda. Agora, a imprensa noticiou
abundantemente o êxito nacional: Portugal conquistou o melhor lugar de sempre
na lista das melhores escolas de Gestão da Europa, nada mais que dois cursos no
top 30 europeu. A credibilidade da coisa não traz chancela de publicação
científica ou universitária. Vem garantida por um jornal económico, o
prestigiado Financial Times, como convém ao business.
A
preponderância dos cursos de dimensão económica e, sobretudo, financeira, na
definição da qualidade das instituições universitárias, de que estes rankings
alimentados por uma poderosa máquina comunicacional são exemplo, mostra como a
voracidade efémera do consumo aproxima as economias conduzidas por um pequeno
núcleo de colossos empresariais globais, mais poderosos que a maioria dos
próprios Estados. A sua actividade assenta no domínio de uma rede bancária
global e tem por lógica globalizar as necessidades e os gostos, usando, entre
outros artifícios, matrizes tipificadas, como são os rankings, que reduzem
culturas e contextos díspares à mesma escravatura consumista e globalizadora. Os
senhores do dinheiro, os sacerdotes dos resultados, têm-se apossado, paulatinamente,
de tudo o que promovia a reflexão e o questionamento. Sob o manto diáfano
de Bolonha, entraram nas universidades ocidentais. Apearam a procura livre e
autónoma do saber e colocaram no altar os resultados. O seu desígnio é
transformar as universidades em sucursais empresariais devidamente
uniformizadas. Nesta lógica, a avaliação do desempenho, de que estes
rankings são espelho, premeia os que fazem certo e castiga os que fazem bem.
Esclareça-se que fazer certo é venerar o dogma dos mercados e das economias de
papel, enquanto fazer bem seria autonomizar as pessoas.
A
língua portuguesa foi banida da designação das escolas portuguesas de sucesso
(Nova School of Business and Economics, Católica Lisbon School of Business and
Economics ou Porto Business School) e muitos dos cursos que ministram são
leccionados totalmente em inglês, como importa à língua franca da finança
internacional. A constatação empírica que resulta dos contactos que neste
contexto vou vivendo é que os jovens que triunfam nesta lógica têm por limitado
objectivo de vida ganhar dinheiro, seguindo percursos que lhes são
sugeridos e predeterminados por uma elite perita em lógicas promocionais e
estabelecimento de cenários idílicos. Mas há outra vida para além dos rankings
das escolas de negócios. A que resultou na insolvência do grupo Espírito Santo,
rico em quadros que cursaram os masters deste mundo e destas escolas
conceituadas. A que destruiu a Portugal Telecom, sob responsabilidade de Zeinal
Bava, graduado ícone destas business schools, distinguido como o melhor
gestor da Europa e condecorado com a Grã-Cruz do Mérito Comercial. A que nos
arruinou para anos com as engenharias financeiras do BPN/SLN e BPP, que se
estudam e aprimoram nos celebrados cursos em análise.
Correndo
o risco de me julgarem abusivo, sempre direi que, genericamente, estes cursos não
cuidam de estudar e contribuir para banir a pobreza do mundo com o mesmo
empenho que colocam no estudo de processos para que alguns façam rápidas
fortunas, sem preocupação de maior sobre consequências e custos sociais. Dito
de outro modo, são bem mais voltados para o estudo dos mercados financeiros e
da especulação que os caracteriza, ensinando muito sobre a sagrada lei da
oferta e da procura e pouco, muito pouco, para não dizer nada, sobre os
fenómenos que explicam a existência de ricos cada vez mais ricos, lado a lado
com pobres, cada vez mais pobres.
Em contexto profissional,
falei há semanas com um jovem economista, acabado de sair de uma destas escolas
e logo contratado por uma multinacional do ramo. A conversa derivou rapidamente
para a análise da solução encontrada para o BES e para o BPN. Aos argumentos
que já conheço (risco sistémico, indispensabilidade do papel dos bancos no
sistema de economia de mercado e por aí fora) opus, provocatoriamente, três
simples perguntas, a saber: admitia ele que os Estados recapitalizassem os
sistemas de protecção social com a mesma celeridade e eficácia com que
recapitalizam os bancos? Considerava ele, ao menos como mera hipótese de
trabalho, a criação de um salário máximo nacional? Não o chocava a lógica dos
paraísos fiscais e a ética de certos empresários, que procuram tributar
algures, para pagarem menos, os lucros que obtêm aqui, de que o escândalo do
Luxemburgo é exemplo recente? Não me chocou tanto o liminar não que obtive para
cada uma das questões, até porque o previa. Chocou-me sim a atitude dogmática,
definitivamente irredutível a qualquer alternativa, que certamente reflecte o
que lhe ensinaram numa destas escolas do top
30 deste
celebrado ranking.
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