A
intervenção decisiva de Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, para
impedir o regresso das “subvenções vitalícias para ex-titulares de cargos
políticos com rendimentos mensais médios superiores a dois mil euros” raramente
é referida quando este tema é abordado. O que dois deputados do bloco central
se preparavam para fazer à socapa, mas com o evidente conhecimento dos seus
lideres, por muito que eles o neguem, era uma afronta à esmagadora maioria do
povo português que tem vindo a sofrer as consequências de uma austeridade
criminosa desde há três anos. Um privilégio deste tipo não se concebe em
qualquer circunstância e o recuo que se verificou por parte dos seus
proponentes não foi por uma questão de “bom senso”, como alegam, mas pela
pressão da opinião pública mobilizada por Mariana Mortágua. Apesar do
sectarismo ideológico revelado pela omissão do nome da deputada do Bloco de Esquerda
em todo este processo, faz sentido que aqui se apresente mais uma tomada de posição
sobre ele (*), que mais não seja como uma forma de alerta.
Foi
com absoluta indignação que os portugueses se aperceberam de que a Assembleia
da República se preparava para terminar com a suspensão introduzida em 2014 nas
subvenções mensais vitalícias atribuídas a ex-titulares de cargos políticos com
rendimentos mensais médios superiores a dois mil euros.
Em
primeiro lugar, pelo princípio invocado para sustentar a existência de subvenções
vitalícias. De facto, o actual sistema político encontra-se numa profunda
crise, e um dos motivos é, precisamente, a qualidade mediana dos agentes
políticos, apesar das honrosas excepções. A existência de subvenções vitalícias
parte do pressuposto de que existem políticos de carreira. Porém, o que deve
ser implementado é um método de recrutamento dos melhores para o desempenho de
cargos políticos, o que origina uma maior rotatividade nestes cargos e,
portanto, a inutilidade destas subvenções.
O
usufruto de uma subvenção mensal vitalícia, após dez ou 12 anos de exercício de
um cargo político, não apenas carece de sustentação ética, como as
consequências em que se traduz são particularmente nefastas para a saúde do
sistema e da própria classe política. Trata-se de uma prática que deve ser
rapidamente abolida da nossa sociedade. Isto não implica que a actividade
política não deva ser dignificada, a todos os títulos, e que em casos
devidamente justificados não se possa atribuir um subsídio de reintegração de modo
a ser possível aos políticos refazerem a sua vida profissional.
Ainda
mais grave, porém, é a total falta de oportunidade desta medida. Num momento em
que o país se está a desmoronar, onde a crise social e económica se associa a
uma crise sem precedentes das instituições a todos os níveis do Estado e em
todos os patamares do poder político, é incompreensível a falta de lucidez de
alguns agentes políticos. Como é possível propor uma medida desta natureza com
a actual taxa de desemprego, com os sacrifícios impostos aos pensionistas e
reformados, com os cortes brutais na administração pública, com as carências
que existem no sistema de saúde, com emigração forçada de dezenas de milhares
de jovens que assim se vêem obrigados a abandonar as suas famílias?
Esta
proposta foi retirada e, nas palavras do seu proponente, por uma evidente
questão de “bom senso”. Pena é que tenha sido este o único fundamento. E que
não se tenha aproveitado esta oportunidade para afirmar claramente que a
reposição das subvenções vitalícias fere os mais elementares princípios da
ética política.
(*) Rui Nunes, Professor, coordenador do
Fórum Democracia e Sociedade e presidente da Associação Portuguesa de Bioética,
Público
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