A
razia levada a cabo por este Governo na área dos centros de investigação
insere-se no que de mais nefasto foi levado a cabo pela acção governativa e no
que de mais prejudicial será para o futuro do país. O artigo de opinião que José
Vitor Malheiros assina no Público de hoje tem todo o cabimento como forma de
chamar a atenção dos portugueses para o que se está a passar numa área tão
importante para o país.
O
ministro Nuno Crato, a secretária de Estado Leonor Parreira e o presidente da
Fundacão para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Miguel Seabra, concluíram ontem
uma das empreitadas principais do seu consulado: o chamado “processo de
avaliação” das unidades de investigação científica portuguesas.
O
processo termina mal, como começou, e consagra, como se esperava, uma
hierarquia de unidades de investigação onde cerca de metade é na prática
condenada à morte, pois deixa de receber financiamento, onde um quinto dos
centros recebe um financiamento considerável e onde os restantes receberão um
financiamento suficiente para manterem as suas actividades.
O
princípio utilizado nesta operação de avaliação, executada com inúmeros erros e
insuficiências pela European Science Foundation, contratada pelo efeito pela
FCT, foi o princípio da “poda”, cujo principal ideólogo foi o investigador
António Coutinho, coordenador do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. O
princípio da poda enuncia-se brevemente: de forma a promover a excelência, o
sistema deve não só premiar as unidades que sejam consideradas “excelentes”,
mas destruir as unidades que sejam julgadas “insuficientes”, apenas “razoáveis”
ou que sejam mesmo meramente “boas”. Apenas a excelência merece florescer e tudo
o resto deve ser cortado.
O
princípio merece críticas, para resistir a dizer que se trata de uma pura
idiotice. Alguém conhece alguma organização que pudesse resistir e continuar a
funcionar se se destruíssem todas as unidades que a compõem com excepção das
consideradas excelentes? O princípio da destruição das unidades não excelentes
recusa-se a compreender que um sistema científico é um sistema ecológico, com
múltiplas interacções e alimentações entre os seus componentes, e não um
conjunto de unidades isoladas. Como se recusa a compreender algo ainda mais
simples que é o facto de, numa unidade excelente, existirem elementos que não
são excelentes e, inversamente, numa unidade de qualidade média, existirem
elementos excelentes. Como se recusa a compreender que uma unidade de
investigação é um organismo com uma história, que não pode ser destruído e
usado como peças sobressalentes sem uma enorme perda do investimento feito.
A
poda defendida por António Coutinho e executada pela troika
da ciência foi na realidade uma operação selvagem de abate de árvores que deram
no passado frutos de grande qualidade e que poderiam continuar ou voltar a
dá-los, em vez da cuidadosa e prudente operação de selecção de ramos que uma
verdadeira poda deve ser.
A
ideia da poda esquece outra coisa, que Nuno Crato, Leonor Parreira e Miguel
Seabra não poderiam esquecer se encarassem com a devida seriedade o papel que a
sociedade portuguesa lhes confiou: é da responsabilidade dos dirigentes gerir o
sistema e não apenas castigar e premiar as unidades de investigação como um
mestre-escola do antigamente. O trabalho de coordenação da investigação a nível
nacional, que deve ser levado a cabo pela FCT, exige destes dirigentes que
avaliem (não em operações de comandos mas de forma contínua) o trabalho
produzido nas várias unidades de investigação e o reorientem de forma
dialogada, discutida e transparente sempre que necessário. A
operação-catástrofe levada a cabo por uma European Science Foundation
claramente incompetente na área da avaliação de unidades de investigação é a
prova da renúncia de Crato, Parreira e Seabra a levar a cabo as tarefas que
lhes foram confiadas e que juraram “cumprir com lealdade”.
Mas
esta avaliação foi um desastre por diversas razões e não apenas pela orientação
estratégica que lhe foi dada. Foi evidentemente uma avaliação desonesta e isso
é patente não devido aos múltiplos erros que foram cometidos pelos avaliadores
(muitos deles erros factuais de leitura, de cópia de dados ou de interpretação)
mas devido à recusa dos avaliadores em corrigir muitos desses erros quando eles
lhos foram apontados. E foi evidentemente uma avaliação desonesta porque
existiram quotas impostas aos avaliadores para cada classificação, quotas cuja
existência Miguel Seabra continuou a negar com um descaramento inaudito, mesmo
quando a mentira era insustentável perante um documento escrito.
A
última habilidade de Miguel Seabra consistiu nesta libertação dos dados finais
da avaliação nas vésperas de Natal, apostando na dificuldade de mobilização de quem
queira contestar os resultados. Também isto é pouco recomendável e nada tem a
ver com a transparência, com a lisura e com a disponibilidade para a discussão
que se espera de um cientista ou, simplesmente, de uma qualquer pessoa honesta.
O
processo levado a cabo por Crato, Parreira e Seabra vai ter de ser revisto e
reavaliado pela nova equipa que irá dirigir a investigação portuguesa depois
das próximas eleições. Mas muito do mal feito será dificilmente reparável. Cada
ano de gestão desta equipa de demolição da ciência levará muito mais de um ano
a reparar.
O presente de Natal que
Crato, Parreira e Seabra nos deixam é um presente envenenado e vai ser difícil
convencer de novo os jovens cientistas talentosos de que Portugal é um país com
futuro.
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