Relativamente
ao ano que já tem menos de duas semanas de vida, começam a aparecer os usuais
balanços. O autor do que aqui apresentamos refere alguns dos principais
acontecimentos ocorridos em 2014, fazendo apelo a memórias passadas – muito importante
– já que nada acontece por acaso. A acentuação do domínio da “ditadura liberal”,
a costumeira intervenção americana no mundo e o “aparecimento” do estado islâmico,
com uma ajudinha do Tio Sam, são os temas eleitos para o seguinte texto (*).
Proceder
a um balanço do ano em curso em meia dúzia de linhas é um exercício arriscado,
tendo em conta a multiplicidade de acontecimentos, do regresso às cidades
americanas da questão racial, do reconhecimento da tortura num país dito
democrático, da corrupção generalizadas das elites, do crescendo das
desigualdades sociais ou do renascimento do islão radical.
Não
menos importante é a consagração do que qualifico como “ditadura liberal”, com
a economia subjugada à finança, independente de qualquer poder, incluindo o
político, cujos poderes se encontram bem aconchegados nas denominadas leis dos
mercados.
Note-se
como ocorreram as duas greves gerais e nacionais na Itália, com um governo de
centro-esquerda e, na Bélgica, com as centrais sindicais a denunciarem a quase isenção
fiscal das filiais belgas das multinacionais, numa coligação governativa, em
que um dos principais partidos Flamengos (N-VA) defende a separação da Valónia,
além de integrar elementos com um comprovado passado nazi.
Quer
se queira quer não, temos de ter a coragem e lucidez para nos darmos conta de
que nos estão a empurrar para uma estratégia do medo, servida à mesa de um
presente sombrio de difícil observação, por demasiado longínquo.
Impossível
não evocar o relatório do senado americano sobre as torturas praticadas pela
CIA, lamentando que apenas 500 das 6700 páginas do relatório tenham sido
publicadas. Tal acontece precisamente meio século depois da “operação Condor”,
no Brasil, onde a agência americana em conluio com os militares, originou
milhares de mortos e desaparecidos e a queda do presidente João Goulart,
seguindo-se operações similares na Argentina, Uruguai e Chile. Já antes (1953),
tinha afastado o primeiro-ministro Mossadegh do Irão, a que se seguiu (1954) o
presidente da Guatemala que procurava defender os agricultores, face à poderosa
“United Fruits”, a tentativa de invasão de Cuba (Baía dos Porcos, 1961) e a
carnificina (mais de 500 mil mortos) em que se transformou a queda do
presidente Sukarno da Indonésia, em meados da década de sessenta.
De
qualquer maneira, seria estulto da minha parte ignorar o “aparecimento” do
estado islâmico (Daesh). Para o compreender, temos de passar pelo doutrinador
oficial da Arábia Saudita, o teólogo Ahmed ibn Hanbal (780/855) criador do
hanbalismo, a mais conservadora e fundamentalista das escolas de direito
ortodoxo islâmico.
Quando
em meados do século XVIII, um jurista hambalista (Abd al-Wahhab) se refugia na
poderosa tribo de Mohammed ibn-Saud, em Nejd, em pleno cento da península,
eis-nos perante o radicalismo salafista. O mesmo que hoje impera na Arábia
Saudita, principal financiadora do Daesh e beneficiári, também, da loucura
americana na guerra do Iraque (2003), em que afastou liminarmente, eliminando
ou abandonando-os no desemprego, todos os oficiais que combateram ao lado de
Saddam e formados em escolas europeias. Hoje, este são combatentes sunitas e, alguns
mesmo, ocupam funções de chefia na organização.
De
há muito que as violências praticadas pelo Daesh ultrapassaram a velha e
insuportável questão religiosa entre sunitas e xiitas, para se concentrarem
nesse “velho ocidente, em decadência, materialista e cheio de idolatrias, de
laicos ou ateus selvagens”. Por enquanto, vão-se ficando por atentados
individuais, na participação macabra de jovens jihadistas, nascidos ou
naturalizados europeus.
Quanto
à “nossa” Europa, basta um mínimo de lucidez e de cultura, para constatar que
quase tudo tem sido feito para a desvalorizar económica e geoestrategicamente,
com o beneplácito dos que se qualificam como dirigentes políticos.
(*) João Marques,
diplomado em Ciências da Comunicação, Diário de Coimbra
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