Sabemos,
através do Instituto Nacional de Estatística que mais de 24% das crianças
portuguesas se encontra em risco de pobreza, quando na população em geral esse
valor é de 18,7%.
Esta
percentagem de crianças em risco de pobreza torna chocante o alarido
evidenciado pelas entidades promotoras da campanha designada por “toca a todos”
que recolheu donativos na ordem dos 450 mil euros… Uma pergunta muito simples
tem aqui todo o sentido: é com 450 mil euros que se combate com eficácia a
pobreza infantil em Portugal? Pelo que se percebe por declarações de pessoas
envolvidas na campanha, esta terá sido um sucesso e as suas consciências terão
ficado descansadas. Os mais velhos já conhecem este palavreado de outros tempos…
Mais uma questão simples: alguma daquelas pessoas fez lembrar aos portugueses
que, para além da esmola que lhes pediam para uma causa nobre, a solução de
fundo do problema está na criação de postos de trabalho? É que, se os pais das
crianças em risco de pobreza tiverem trabalho para poderem levar para casa um
ordenado, esse risco diminui muito.
A
propósito de uma outra campanha levada a cabo pela Cáritas Portuguesa para angariação
de fundos, o Público entrevistou o presidente desta instituição, Eugénio
Fonseca, cujas declarações surpreendem pela frontalidade da crítica ao sistema
capitalista e aos seus objectivos. Estamos, pois, perante mais uma
personalidade que não pode ser apelidada de esquerdista e que chama os bois
pelos nomes. Eis algumas das suas declarações retiradas de um extenso rol de
perguntas que lhe foram colocadas.
- Temos crianças que, se não
fosse a escola ou alguma Instituição Particular de Solidariedade Social em que
estão, não teriam acesso a uma refeição digna.
- Há crianças que já trazem
consigo uma história, de pobreza geracional, e a escola não tem conseguido
saber ser um espaço de integração.
- O sistema económico e
financeiro que nos orienta só valoriza o que dá lucro, põe em primeiro lugar o
que tem preço. E as crianças e os mais velhos não dão lucro. Na óptica desta
economia são despesa.
- Esta sociedade capitalista quer
resultados, quer os máximos resultados num curto prazo, e não previne.
- A riqueza de alguns continuou a
aumentar, continuou a aumentar o número de ricos.
- Primeiro que a dívida estão as
pessoas.
- Estas taxas impostas pelo Banco
Central Europeu são altamente injustas, não estão a baixar a dívida, estão a
aumentar a dívida.
- O sistema capitalista tem tido
um mérito muito grande — a seu favor, claro: põe os pobres contra os pobres.
- O RSI nunca foi para acabar com
a pobreza, foi para aliviar a agressividade da pobreza.
- O bem comum é todos termos
acesso àquilo que os direitos humanos consagram.
- [Sobre ajudas] nos atendimentos
diocesanos, de Janeiro a Setembro, contabilizámos mais de 54 mil famílias (109
mil pessoas).
- A maior parte dos nossos
recursos têm sido canalizados para a dimensão assistencial.
- Estou convencido [que as
cantinas sociais] não resolveram problema nenhum de pobreza envergonhada.
- A revolução a fazer é,
primeiro, antes de mais: educar as pessoas para fazerem o verdadeiro combate à
pobreza, porque o que se tem feito muitas vezes é o combate aos pobres,
culpando os pobres.
- Temos pobreza envergonhada porque estigmatizamos os pobres em
vez de estigmatizarmos a pobreza.
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