“Liquidar
o Estado – e não: melhorar o Estado” é o programa de Passos Coelho e seus
acólitos, no entender do Prof. Mário Vieira de Carvalho no artigo de opinião
que hoje assina no Público.
Aliás,
desde que tomou posse, toda a acção do Governo vai no sentido de reduzir o papel
do Estado a uma função mínima, entregando todas as funções que não dão lucro à
iniciativa privada. Os exemplos são por demais conhecidos, como saúde, educação,
segurança social, transportes, comunicações, correios, energia, para
mencionarmos apenas os mais citados. Se calhar até não iremos ficar por aqui,
caso a dupla Passos/Portas ou qualquer outra com uma linha programática idêntica
aceda à governação. Não poderemos deixar de ter presente que o PS sozinho ou
agregado ao PSD ou CDS poderá, perfeitamente, continuar as políticas levadas a
cabo por Passos e Portas. O problema não é, como bem sabemos, uma questão de pessoas
mas de políticas. Alerta, portanto, para todos os portugueses que vêem numa
possível vitória do PS nas legislativas de 2015 uma viragem à esquerda do
actual panorama.
Finalmente,
Passos desatou a língua e começou a proclamar, sem eufemismos, o seu programa.
Não aquele programa social-democrata escrutinado nas eleições, mas sim o
programa fundado nas suas crenças pessoais, jamais escrutinado pelo seu próprio
partido e muito menos pelo povo português. Fá-lo com uma euforia inaudita, qual
cabo de guerra já derrotado e acossado no seu Bunker que, de súbito, lesse nos
astros um sinal da divina Providência. Cercado dos escombros e ruínas da
“destruição criativa”, partilha agora connosco, diariamente, em voz alta, o
sonho duma radiosa vitória final: a promessa duma revolução milenar, que trará
a redenção a Portugal, à Europa e a toda a humanidade.
Ficou
a saber-se que, para Passos, tudo tem de ser um negócio lucrativo: a começar
pela Saúde e a continuar por aí fora: na Segurança Social, na Educação, na
Ciência, na Cultura, nos transportes públicos, redes viárias etc., etc. De tudo
isso o Estado deverá retirar-se para dar lugar aos privados. Só lhe falta
explicitar se o princípio se aplica também à Administração Pública e aos órgãos
de soberania, mas é de esperar que venha a fazê-lo em breve. Passos não deixará
escapar esse precioso detalhe do seu programa de “capitalismo utópico”!
Com
a privatização integral das funções do Estado, o governo, o parlamento e os
demais órgãos de soberania tornar-se-ão supérfluos. Serão substituídos por uma
ou mais empresas de multisserviços, que desempenharão eficientemente as tarefas
requeridas, pagas caso a caso pelos indivíduos que delas careçam. Cada um por
si. Nunca mais haverá “todos a pagar para o benefício de alguns...”
Nesses
amanhãs de sonho, em que os males do “socialismo” – diz ele – serão
esconjurados, mas que já entrevemos pela pequena amostra dos seus três anos de
governação, Portugal baterá todos os records: será o país com as mais elevadas
taxas de exclusão e discriminação sociais, desemprego, desemprego jovem,
capital humano não qualificado, pobreza, pobreza infantil, trabalhadores no
ativo que só sobrevivem graças ao apoio dos bancos alimentares, destruição da
capacidade produtiva, criminalidade violenta, delinquência juvenil, suicídios,
depressões, enfermos sem assistência, envelhecimento demográfico,
desertificação, etc. Uma vez alcançado o primeiro lugar em todos esses
rankings, acontecerá o milagre e cada qual viverá feliz para sempre, pois não
terá de contribuir com um pataco para o bem comum.
Liquidar
o Estado – e não: melhorar o Estado – é o seu programa. Por isso, recusa
liminarmente as virtudes da despesa pública, mesmo que seja investimento
estratégico com efeito reprodutivo. Daí que não tenha feito a reforma do Estado
e se contente com cortes cegos. E daí a sua hostilidade aos programas PRACE e
SIMPLEX dos governos de José Sócrates, que constituíram uma verdadeira reforma
do Estado e que cumpriram inteiramente os seus objetivos: melhorar a eficiência
e a qualidade dos serviços públicos, reduzindo os custos de suporte. Isso não
interessa a Passos, empenhado como está na sua cruzada contra o “socialismo”,
isto é, contra tudo o que se pareça, de longe ou de perto, com o modelo social
europeu.
Uma
tal cruzada surpreende pela sua retórica extremista, pois rompe necessariamente
com ambas as bandeiras da sua família política – não só a “social”, mas também
a “democrata”. Não esqueçamos a matriz fascista do primeiro “laboratório” do
neoliberalismo (o Chile de Pinochet), onde o Estado instaurou uma ditadura
terrorista para impor a privatização integral da economia.
Tão levianamente radical como
o discurso de Passos, nos dias de hoje, só mesmo o do tea party nos EUA. Este ainda não
chegou à Casa Branca, mas já se instalou em S. Bento.
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