domingo, 21 de dezembro de 2014

LIQUIDAR O ESTADO, A IDEOLOGIA PASSISTA


“Liquidar o Estado – e não: melhorar o Estado” é o programa de Passos Coelho e seus acólitos, no entender do Prof. Mário Vieira de Carvalho no artigo de opinião que hoje assina no Público.
Aliás, desde que tomou posse, toda a acção do Governo vai no sentido de reduzir o papel do Estado a uma função mínima, entregando todas as funções que não dão lucro à iniciativa privada. Os exemplos são por demais conhecidos, como saúde, educação, segurança social, transportes, comunicações, correios, energia, para mencionarmos apenas os mais citados. Se calhar até não iremos ficar por aqui, caso a dupla Passos/Portas ou qualquer outra com uma linha programática idêntica aceda à governação. Não poderemos deixar de ter presente que o PS sozinho ou agregado ao PSD ou CDS poderá, perfeitamente, continuar as políticas levadas a cabo por Passos e Portas. O problema não é, como bem sabemos, uma questão de pessoas mas de políticas. Alerta, portanto, para todos os portugueses que vêem numa possível vitória do PS nas legislativas de 2015 uma viragem à esquerda do actual panorama.
Finalmente, Passos desatou a língua e começou a proclamar, sem eufemismos, o seu programa. Não aquele programa social-democrata escrutinado nas eleições, mas sim o programa fundado nas suas crenças pessoais, jamais escrutinado pelo seu próprio partido e muito menos pelo povo português. Fá-lo com uma euforia inaudita, qual cabo de guerra já derrotado e acossado no seu Bunker que, de súbito, lesse nos astros um sinal da divina Providência. Cercado dos escombros e ruínas da “destruição criativa”, partilha agora connosco, diariamente, em voz alta, o sonho duma radiosa vitória final: a promessa duma revolução milenar, que trará a redenção a Portugal, à Europa e a toda a humanidade.
Ficou a saber-se que, para Passos, tudo tem de ser um negócio lucrativo: a começar pela Saúde e a continuar por aí fora: na Segurança Social, na Educação, na Ciência, na Cultura, nos transportes públicos, redes viárias etc., etc. De tudo isso o Estado deverá retirar-se para dar lugar aos privados. Só lhe falta explicitar se o princípio se aplica também à Administração Pública e aos órgãos de soberania, mas é de esperar que venha a fazê-lo em breve. Passos não deixará escapar esse precioso detalhe do seu programa de “capitalismo utópico”!
Com a privatização integral das funções do Estado, o governo, o parlamento e os demais órgãos de soberania tornar-se-ão supérfluos. Serão substituídos por uma ou mais empresas de multisserviços, que desempenharão eficientemente as tarefas requeridas, pagas caso a caso pelos indivíduos que delas careçam. Cada um por si. Nunca mais haverá “todos a pagar para o benefício de alguns...”
Nesses amanhãs de sonho, em que os males do “socialismo” – diz ele – serão esconjurados, mas que já entrevemos pela pequena amostra dos seus três anos de governação, Portugal baterá todos os records: será o país com as mais elevadas taxas de exclusão e discriminação sociais, desemprego, desemprego jovem, capital humano não qualificado, pobreza, pobreza infantil, trabalhadores no ativo que só sobrevivem graças ao apoio dos bancos alimentares, destruição da capacidade produtiva, criminalidade violenta, delinquência juvenil, suicídios, depressões, enfermos sem assistência, envelhecimento demográfico, desertificação, etc. Uma vez alcançado o primeiro lugar em todos esses rankings, acontecerá o milagre e cada qual viverá feliz para sempre, pois não terá de contribuir com um pataco para o bem comum.
Liquidar o Estado – e não: melhorar o Estado – é o seu programa. Por isso, recusa liminarmente as virtudes da despesa pública, mesmo que seja investimento estratégico com efeito reprodutivo. Daí que não tenha feito a reforma do Estado e se contente com cortes cegos. E daí a sua hostilidade aos programas PRACE e SIMPLEX dos governos de José Sócrates, que constituíram uma verdadeira reforma do Estado e que cumpriram inteiramente os seus objetivos: melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços públicos, reduzindo os custos de suporte. Isso não interessa a Passos, empenhado como está na sua cruzada contra o “socialismo”, isto é, contra tudo o que se pareça, de longe ou de perto, com o modelo social europeu.
Uma tal cruzada surpreende pela sua retórica extremista, pois rompe necessariamente com ambas as bandeiras da sua família política – não só a “social”, mas também a “democrata”. Não esqueçamos a matriz fascista do primeiro “laboratório” do neoliberalismo (o Chile de Pinochet), onde o Estado instaurou uma ditadura terrorista para impor a privatização integral da economia.  
Tão levianamente radical como o discurso de Passos, nos dias de hoje, só mesmo o do tea party nos EUA. Este ainda não chegou à Casa Branca, mas já se instalou em S. Bento.

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