O jornal universitário de Coimbra A cabra traz hoje uma reportagem (*)
sobre um debate que ontem, 25 de Maio, teve lugar no Teatro Académico Gil
Vicente subordinado ao tema “ A crise do Mediterrâneo é de toda a gente”. Dada a
extensão do texto, reproduzimos aqui a parte mais importante e que aborda a
parte mais geral desta problemática.
O
mar Mediterrâneo foi palco, em 2014, da travessia de cerca de 220 mil
imigrantes. A maioria das pessoas parte em embarcações rudimentares sem
quaisquer garantias de segurança. O principal ponto de partida é Tripoli, na
Líbia, cidade costeira onde se reúnem populações de vários pontos dos
continentes africano e asiático. De acordo com Daniela Nascimento do Centro de
Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES/UC), os migrantes provêm de
países como “Mali, Eritreia, Gâmbia, Tunísia ou Síria”.
O
problema não é recente mas, segundo a investigadora, acentuou-se desde 2011 com
o aumento da instabilidade política nos países de origem das populações
migrantes. A “Primavera Árabe” agudizou “muitos conflitos internos dos países
africanos”, que resultaram em confrontos armados, como é o caso das guerras
civis na Líbia ou Síria. O principal país de embarque, a Líbia, “foi
inicialmente país de destino final” para muitos emigrantes. Porém, é agora
ponto de partida, pelo agravar dos conflitos civis, e “continuará provavelmente
a sustentar estes fluxos massivos de migrantes para a Europa”, remata Daniela
Nascimento
“ A crise do Mediterrâneo é
de toda a gente” foi o argumento em discussão ontem, 25 de Maio, no Teatro
Académico Gil Vicente (TAGV).
Soluções
para um problema antigo
São
cada vez mais frequentes as notícias de naufrágios no mar Mediterrâneo. Para
tentar prevenir estas situações, a União Europeia (UE), canalizou fundos
comunitários no sentido de “reforçar a dimensão securitária e controlar os
barcos que procuram chegar a terra”, esclarece Daniela Nascimento. José Manuel
Pureza, professor de Relações Internacionais e investigador do CES, acredita
que se deve olhar para a solução de um ponto de vista humanitário e “com uma
ótica de busca e salvamento, algo que não está a ser feito neste momento”. O
professor reforça que se “deve garantir a segurança mínima das pessoas” e
sugere uma “medida mais a prazo”, que passa pelo “equacionar do acolhimento
dessas populações”. Por último, José Manuel Pureza reforça que se deve “passar
a encarar estes fluxos migratórios na perspetiva do direito das pessoas à
migração e não do ponto de vista do medo da invasão ou destruição de postos de
trabalho”.
Daniela
Nascimento considera que a solução só pode ser concretizada depois do
conhecimento pleno dos problemas que estão na origem do êxodo – “pobreza,
subdesenvolvimento, conflitos violentos e instabilidade política”. Isto “não se
combate com mais dinheiro, não se faz de um dia para o outro”.
As
medidas apresentadas pelo quadro comunitário para a prevenção deste fenómeno
passam, em primeiro lugar, pela monitorização militar, como é ocaso do reforço
das verbas para a agência de patrulhamento Frontex, e pelo combate às redes de
tráfico, que controlam muitas destas travessias. “Os governos europeus têm uma
postura defensiva e têm-se mostrado extraordinariamente fechados e cínicos”,
refere José Manuel Pureza, que critica a “pequenez das operações montadas para
salvar as pessoas de naufragarem”.
O
cenário que espera estas pessoas não é o mais favorável. Quando chegam à
Europa, há “centros de acolhimento, mas na verdade são centros de detenção”
refere a especialista em populações refugiadas, Lisa Matos. Acrescenta que “há
efetivamente uma Europa de fortaleza, que privilegia a circulação dentro da UE,
mas não facilita a cedência de vistos de trabalho para as outras comunidades”.
Na
ótica de José Manuel Pureza, os problemas que existem na UE são olhados com
“miopia estratégica”. O professor defende que “a vinda de emigrantes” devia ser
vista como “parte da solução e não parte do problema”. Uma política de
acolhimento é positiva do “ponto de vista laboral, da Segurança Social, recolha
de impostos e interculturalidade” para o país que receba estas comunidades,
reforça.
Em
Itália, um dos países mais afetados pelos fluxos migratórios, implementou-se
uma operação conhecida por “Mare Nostrum”, que pretendia salvar os imigrantes e
deter os traficantes. Contudo, o programa foi suspenso por “pressões dos
principais países da EU”, critica José Manuel Pureza. De acordo com o
professor, essas pressões vieram, “designadamente, do Reino Unido e da
Alemanha”. “A Europa que foi um território de imigração, tem vindo a negar-se a
si própria”, remata.
(*) João
Neves e Camila Vidal
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