Somos o que escondemos ser é o título de uma crónica sobre Dias Loureiro
que transcrevemos da Revista 2 do Público e que assenta como uma luva na dita
personagem. O tom acentuadamente irónico de toda a crónica não esconde a
crítica feroz ao antigo ministro de Cavaco e ex-conselheiro de Estado. Aliás,
como sabemos, esta foi a última função oficial que Dias Loureiro desempenhou,
antes de alegadamente se tornar suspeito de uma série de crimes de colarinho
branco. Esclareça-se que o termo “alegadamente” fica muito bem neste caso, não
se vá pensar que há alguma má vontade da nossa parte relativamente a este “empresário
bem-sucedido” e recentemente elogiado por Passos Coelho.
Parece
que vivemos num mundo ao contrário…
Ao Manel Dias Loureiro, uma carta sincera de O
Imperfeito:
Meu caro amigo que, nas palavras transparentes de
alguém*, “conheceu mundo, é um empresário bem-sucedido, viu muitas coisas por
este mundo fora e sabe que se queremos vencer na vida, se queremos ter uma
economia desenvolvida, pujante, temos de ser exigentes e metódicos”. Como
sabes, umas das estratégias comunicacionais que mais utilizo é cometer supostas
gaffes e amadorismos improvisados, mandando para o ar brutalidades cada
vez maiores (pieguice dos portugueses, custo incomportável das doenças mortais
dos pobres, denúncias das cavaquices, “chibanços” das sms irrevogáveis do
Portas, elogios ao Dias Loureiro… etc.) Posso assim atacar o que me dá jeito e
acrescentar que nem tenho estratégia comunicacional porque estou sempre
concentrado (e muito cansado) em, com sangue-frio e abnegação, resolver os
verdadeiros problemas do país. É um truque velho que vai furando como a gota de
água fura a pedra, como a mentira fura a verdade.
Sei que também tens a tua escola. Dizeres no
Parlamento que fizeste negócios ruinosos para o BPN, pagos pelos portugueses,
com um tal El-Assir sem nunca saberes que ele era um famoso traficante de armas
libanês, é um mimo de descaramento que só te fica bem. Mas desleixaste-te um
pouco na vigilância, meu exigente e metódico Manel. No dia 13 de Maio. passei
os olhos pela tua página na Wikipédia, onde aparecias (se calhar porque era o
dia das Aparições de Fátima…) citado a dizer ao Diário de Notícias
coisas estranhas como (mando screen-shot): “As pessoas vêem que ganhei
dinheiro, mas não vêem que trabalhei sempre muito a roubar o dinheiro dos
outros, principalmente dos contribuintes portugueses. E fiz negócios bem
sucedidos, como roubar à farta os portugueses, que tiveram de abdicar das suas
reformas miseráveis para pagarem o calote biliões que eu e os meus muchachos do
PSD criámos no BPN.”
Ora isto, não sei porquê, dá-me a impressão que também
me envolve. E dá-me tantas comichões como dizer-se por aí que o Estado deve
valer aos mais necessitados e às pessoas sem empreendedorismo. Ou que eu menti
nas últimas eleições sobre aumento de impostos, eu que só sei verdades.
Manel, não será boa ideia rever essa biografia
pública? Posso dar-te um conselho de amigo que ainda vai precisar de ti (vê
como sou sincero e transparente): contrata alguém e publica uma biografia
sentimental e cheia de apologética messiânica, dificuldades monetárias,
tuberculoses e cancros da mulher em marcha, com depoimentos giros. Deves
seguramente ter visto o livro — Somos o Que Escolhemos Ser — com este
lindo rapaz na capa a apertar o nó da gravata para ir salvar a pátria. Ou a
corda do enforcado inocente, ou Martim Moniz quando defende a sua honra, de
baraço ao pescoço. Gostas destas frases? Bom, não fui eu que as escrevi, foi a
biógrafa que está aqui ao meu lado. Foi ela que conseguiu inventar, sem se rir,
na página 68, sobre *Passos Coelho: “O seu jeito para a escrita, certamente
herdado do pai…” e despachar que ele (este teu criado) é “um aficionado da
perfeição”, duas páginas depois de ter dito que “não é um homem perfeito”. E em
duas ou três frases lavar os dinheiros da Tecnoforma “em que pôs-se em causa a
integridade de uma pessoa” (pág. 135) e o Miguel Relvas (pág. 136) e despachar
ainda o Ângelo Correia. E finalmente admitir que entre 1999 e 2004, quando me
fiz trânsfuga da Segurança Social, “foram anos em que este cidadão foi mais
imperfeito”.
Estás a ver o género? Isto é só um apanhado, o resto
tem mais sumo. Ora, não tendo tu qualquer imperfeição meu caro Manel (eh, eh),
vou dar-te alguns defeitos convenientes. Queres uma pequena biografia irmã da
minha? Cá vai:
“Manuel Dias Loureiro é um advogado, político e
empresário que nasceu em 1951 em Aguiar da Beira numa enfermaria ou em casa.
Morto politicamente nos anos 2000, renasceu numa queijaria da mesma Aguiar da
Beira pela voz providencial de *Passos Coelho, homem que sabe que, durante a
sua infância em Angola, antes do 25 de Abril, nunca houve guerra colonial mas
“uma guerra de extermínio entre MPLA e UNITA”. Mais tarde, e Dias Loureiro
deveria seguir o seu conselho, “nunca confundiu política com poder” e “sempre
teve uma sede, uma vontade, quase aditiva, pelo conhecimento”. Dias Loureiro,
que uma vez terá gritado ao telefone “Pai, sou ministro!” e que em 1994 tramou
Cavaco mandando a polícia de choque desbloquear a Ponte 25 de Abril, devia
explicar os desfalques no BPN e na SLN com verdade, mesmo correndo o risco de
“a transparência se poder confundir com frieza.” Ele também há-de ser um
abnegado e sentimental pai de família, só que é este o Manuel “que não se deixa
conhecer”. Fala muito do golfe e dos jantares com Bill Clinton e o Rei de
Espanha, quando seria mais sábio elogiar Massamá e o restaurante O Comilão.
Em
resumo, entre 1951 e 2015, foram os anos em que o cidadão Dias Loureiro “foi
mais imperfeito”. Mas, para nosso bem, ainda vai a tempo de piorar.
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