“As zonas de sub-humanidade são zonas
de não-ser, onde quem não é verdadeiramente humano não pode reclamar ser
tratado como humano” é uma expressão retirada da crónica que o prof. Boaventura
Sousa Santos assina esta semana na Visão
com o expressivo título A estranha
leveza da história. O director do Centro de Estudos Sociais da Universidade
de Coimbra evoca a história passada e recente para explicar muito do sangue que
se está a derramar nos dois extremos (norte e sul) de África. Colonialismo e
apartheid são muito das causas remotas desta violência.
Há
gente demasiado pequena para ser humana. Talvez tenha sido sempre assim, mas
desde que a modernidade ocidental se expandiu no mundo graças ao colonialismo e
ao capitalismo a contradição entre a igual dignidade de todos os seres humanos
e o tratamento desumano dado a alguns grupos sociais tomou a forma de uma
fratura abissal. Uma fratura por onde correu muito sangue e se destilou muita
hipocrisia. As zonas de sub-humanidade foram tendo várias populações —
selvagens, indígenas, mulheres, escravos, negros — mas nunca foram encerradas;
pelo contrário, foram sendo renovadas com novas populações que ora se juntaram
ora se substituíram às antigas. A zona mais recente é a dos imigrantes
indocumentados. Por isso, o sangue vertido no Mediterrâneo vem de muito longe,
tanto no tempo como no espaço. E não é por coincidência que seja hoje vertido
tanto no extremo norte como no extremo sul do mesmo continente, na África do
Sul.
As
zonas de sub-humanidade são zonas de não-ser, onde quem não é verdadeiramente
humano não pode reclamar ser tratado como humano, isto é, ser sujeito de
direitos humanos. Quando muito, é objeto dos discursos de direitos humanos por
parte daqueles que vivem nas zonas de humanidade. A estes não passa pela cabeça
que as zonas onde vivem não seriam o que são se não existissem as zonas onde os
“outros” “sub-vivem” e donde desesperadamente querem sair movidos pela
escandalosa aspiração a uma vida digna. E não lhes passa pela cabeça porque a
história não lhes pesa; pelo contrário, confirma-lhes que só os empreendedores
vitoriosos (individuais e coletivos, passados e presentes) merecem a humanidade
de que disfrutam. A filantropia faz-lhes bem mas não têm dívidas a saldar com
ninguém.
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