sexta-feira, 1 de maio de 2015

GENTE SUB-HUMANA


“As zonas de sub-humanidade são zonas de não-ser, onde quem não é verdadeiramente humano não pode reclamar ser tratado como humano” é uma expressão retirada da crónica que o prof. Boaventura Sousa Santos assina esta semana na Visão com o expressivo título A estranha leveza da história. O director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra evoca a história passada e recente para explicar muito do sangue que se está a derramar nos dois extremos (norte e sul) de África. Colonialismo e apartheid são muito das causas remotas desta violência.
Há gente demasiado pequena para ser humana. Talvez tenha sido sempre assim, mas desde que a modernidade ocidental se expandiu no mundo graças ao colonialismo e ao capitalismo a contradição entre a igual dignidade de todos os seres humanos e o tratamento desumano dado a alguns grupos sociais tomou a forma de uma fratura abissal. Uma fratura por onde correu muito sangue e se destilou muita hipocrisia. As zonas de sub-humanidade foram tendo várias populações — selvagens, indígenas, mulheres, escravos, negros — mas nunca foram encerradas; pelo contrário, foram sendo renovadas com novas populações que ora se juntaram ora se substituíram às antigas. A zona mais recente é a dos imigrantes indocumentados. Por isso, o sangue vertido no Mediterrâneo vem de muito longe, tanto no tempo como no espaço. E não é por coincidência que seja hoje vertido tanto no extremo norte como no extremo sul do mesmo continente, na África do Sul.
As zonas de sub-humanidade são zonas de não-ser, onde quem não é verdadeiramente humano não pode reclamar ser tratado como humano, isto é, ser sujeito de direitos humanos. Quando muito, é objeto dos discursos de direitos humanos por parte daqueles que vivem nas zonas de humanidade. A estes não passa pela cabeça que as zonas onde vivem não seriam o que são se não existissem as zonas onde os “outros” “sub-vivem” e donde desesperadamente querem sair movidos pela escandalosa aspiração a uma vida digna. E não lhes passa pela cabeça porque a história não lhes pesa; pelo contrário, confirma-lhes que só os empreendedores vitoriosos (individuais e coletivos, passados e presentes) merecem a humanidade de que disfrutam. A filantropia faz-lhes bem mas não têm dívidas a saldar com ninguém.
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