Não
é um qualquer que tece fortes críticas fundamentadas às ditas propostas do PS
em matéria de educação. O autor do artigo seguinte, que recolhemos do Público
de hoje, é o professor universitário Santana Castilho, uma personalidade com
créditos firmados na área educativa. E não é nada meigo para o partido de
António Costa. Aquilo que nos espera não será nada de substancialmente
diferente do que agora temos já que pior é impossível. Só que vem tudo
embrulhado em expressões enigmáticas que dão para as mais variadas
interpretações… O que quer que seja e o seu contrário pode sair-nos na rifa.
Não havendo uma definição clara do que se pretende fazer devemos ficar
desconfiados.
A natureza intrínseca de um
partido político supõe a existência de uma massa crítica capaz de produzir
ideias para resolver os problemas da sociedade. No quadro actual, caracterizado
por uma acentuada descredibilização dos partidos políticos, faz sentido que
eles procurem envolver cidadãos não filiados na construção dessas ideias.
Mas a apresentação pública de propostas encomendadas, sob forma
de estudos em regime de outsourcing, antes da sua discussão
e aceitação por parte das estruturas partidárias, contribui fortemente para a
criação da ideia de estarmos perante forças políticas sem ideologia e sem
pensamento próprio. Assim, o PS errou com o tratamento que deu ao estudo Uma
Década para Portugal. Voltou a errar quando, surpreendentemente, se
juntou ao PSD e CDS na promoção de uma mais que lamentável iniciativa para
condicionar a comunicação social em matéria de cobertura da próxima campanha
eleitoral. E continua a errar quando, sobre outras áreas vitais para o futuro,
a cinco meses de eleições legislativas, tarda em transmitir convicções e apresentar
alternativas às políticas seguidas pelo actual Governo. É o caso, evidente, da
Educação. Vejamos exemplos, que fundamentam o que afirmo.
No início de Março, António Costa
apresentou 55 propostas, a que ele próprio chamou "o primeiro capítulo do
programa de governo". A Educação não mereceu atenção, muito menos epígrafe
própria. Foi aludida a propósito da “cooperação transfronteiriça”, para se
propor duas irrelevâncias que, por mal redigidas, nem permitiram perceber o que
pretendiam: “… acesso integrado das populações …”, sem dizer a quê, e “…
programas de estudos conjuntos, duplos graus …”, fosse lá alguém saber o que
quereria dizer tal enigma. E voltou a ser referida quando o documento abordou o
tema da descentralização e reforço das competências das autarquias locais.
Depois de enunciadas várias iniciativas, estabelecia-se aí:
“Seguindo estes princípios, e no
quadro de um amplo processo de auscultação das autarquias e avaliação das
experiências-piloto em curso, passarão a ser exercidas pelos municípios
competências nos seguintes domínios: Educação, ao nível da gestão dos
equipamentos, acção social escolar, transportes escolares, pessoal não docente
e articulação com agrupamentos de escolas de todo o ensino básico e secundário,
garantindo a igualdade de oportunidades entre diferentes territórios.”
Em contexto altamente turbulento,
provocado pela denominada "municipalização da Educação", é isto que o
PS tem para nos dizer? Se vai “auscultar” e “avaliar” as experiências em curso,
como ousa afirmar, desde logo, que “passarão” a ser exercidas competências,
deixando implícito que a auscultação e avaliação não passam de falácias
artificiosas? Reparou o PS que já estão instituídas coisas que diz ir
instituir?
Na mesma linha de desconhecimento
e insensibilidade surge a incursão nos problemas da Educação por parte dos
economistas a quem António Costa pediu Uma Década para Portugal:
— Propõem “parcerias com o tecido
empresarial de cada região no desenho de percursos de ensino virados para
o mercado de trabalho, contemplando o desenho de currículos claramente
virados para a empregabilidade”. Dizer isto, sem mais clarificação, é
imprudente. Está o PS a defender, como única, a perspectiva utilitarista e
imediatista da actual coligação? É o PS conivente com o denominado "ensino
vocacional" para crianças de 11 anos? Rejeita o PS, definitivamente, uma
filosofia personalista para o ensino obrigatório?
— Falam de incentivos à fixação
de professores em zonas menos atractivas, “penalizando os que se
apresentem a sucessivos concursos”. O que é isso de penalizar quem concorre a
múltiplos concursos? Castigar quem, depois de décadas com a casa às costas,
tenta aproximar-se da residência e dar estabilidade à família? Incentivos à
fixação em zonas menos atractivas, quando em ponto algum do país fica por
preencher um só horário, por falta de professores? Só neste último concurso
apresentaram-se 26.573 candidatos para 1954 vagas. O que falta são postos de
trabalho. Teríamos apreciado, antes, se os senhores economistas nos dissessem se
o PS, finalmente, se propõe dar aos quadros a dimensão adequada às
necessidades. Se cumprirá a directiva comunitária, por ora hipocritamente
iludida com a norma-travão, no que toca aos contratados. Se tem programa para
reparar a selva legislativa em que se vive em matéria de concursos, em que o
próprio PS tem larga responsabilidade. Se mantém ou revoga o anacronismo das
actuais metas de aprendizagem e se mantém ou altera a doentia inflação de
exames, designadamente o do quarto ano da escolaridade obrigatória.
Relevada a irrelevância, o país aguarda a substância do
pensamento do PS para a Educação. Se tiver algum. Se ela existir. Antes da
próxima década, o PS tem de gerir os próximos cinco meses.
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