A
ideia de permitir aos avós reduzir para metade o seu horário de trabalho para
poderem cuidar dos netos, não é por acaso que reaparece agora, quando estamos a
cerca de cinco meses das eleições legislativas. Como muito bem afirma Marisa Matias
no seguinte texto que transcrevemos do Diário
as beiras de hoje, a proposta em si mesma não tem nada de mal mas só por si
não conduz a qualquer solução para o problema da vertiginosa quebra da natalidade
entre nós. Para se promover o crescimento demográfico em qualquer país é
necessária a implementação de um conjunto de medidas e não apenas uma, ainda
por cima com pouca possibilidade de ser levada à prática com sucesso para o
conjunto da população.
A
análise desta problemática, que faz a eurodeputada do Bloco de Esquerda, vai tocar
em muitos pontos sensíveis, tantos e tão importantes que facilmente se percebe
que a proposta servirá apenas para fazer número na época que atravessamos.
Esta
semana, António Costa ressuscitou uma medida proposta pela maioria PSD/CDS que
visa permitir aos avós que trabalham reduzir o seu horário de trabalho para
meio tempo, recebendo 60% do salário, e, assim, poderem ficar a tomar conta dos
netos e das netas. É justo haver uma possibilidade para que os e as avós possam
reduzir o seu horário de trabalho e ter mais tempo com os netos. O problema da
medida proposta não é a medida em si mesma, mas antes a forma como ela é
apresentada, tendo sido enquadrada pela maioria no governo como uma medida de
incentivo á natalidade.
Vamos
por partes. Desde logo, a promoção da natalidade só se consegue melhorando a
qualidade de vida das pessoas, os cuidados de saúde e os acessos aos mesmos,
promovendo uma rede pública de creches e com licenças de maternidade e
paternidade dignas desse nome. Não é preciso inventar a roda. Num país em
crise, a maioria das pessoas que não tem filhos não o faz só por opção – embora
essa também seja mais do que legítima – mas também por não ter meios para
tê-los. A promoção da natalidade faz-se, isso sim, com um claríssimo não à
austeridade, a mesma que fechou escolase creches e que pôs o serviço nacional
de saúde a definhar, e com um combate frontal à desigualdade social, a mesma
que empurra as pessoas para a pobreza. A redução do horário de trabalho para os
avós, para que estes tenham mais tempo para ajudar os pais e mães com os seus
netos, não tendo nada de mal em si mesmo, sem medidas de fundo associadas, é
mais uma forma de o Estado se demitir dos seus deveres sociais e atirá-los de
volta para os cidadãos, parecendo querer dizer: ‘dá-nos os teus impostos, mas
ainda esses não chegam, dá-nos parte do teu salário, mas agora toma conta de ti
porque o Estado não tem dinheiro para isso’.
Mas
há uma questão essencial que não é respondida. A que avós se dirige esta
medida? Actualmente, em Portugal, são muitas vezes os salários ou as pensões
dos avós o único rendimento da família. Actualmente, em Portugal, há muitos
filhos e filhas que voltaram para casa de seus pais, porque já perderam a capacidade
de manter as suas próprias casas ou simplesmente não têm capacidade de manter
as suas próprias vidas, porque primeiro perderam o seu trabalho e depois o
direito ao subsídio de desemprego. Muitos deles trouxeram consigo os seus próprios
filhos. Actualmente, em Portugal, muitos filhos mantêm a sua “independência” e
a dos seus filhos com o contributo económico desses e dessas avós que
mensalmente fazem o milagre, não da multiplicação, mas da divisão do seu
salário ou da sua pensão.
Infelizmente, uma grande
maioria dos avós não poderá aproveitar tão generosa oferta para a promoção da
natalidade. Mas se se quiser resolver esse problema há, de facto, uma medida
mais eficaz para que os avós possam estar mais com os netos: reduzindo a idade
da reforma. Sabemos bem que este governo tem feito o contrário, e que aprovou
aumentá-lo gradualmente, pelo menos, até 2019. Para além da questão de justiça
que seria permitir levar para casa uma reforma por completo ao fim de quarenta
anos de descontos ou ao fim de uma determinada idade, essa redução teria ainda
a vantagem de libertar postos de trabalho a tempo inteiro para tantos e tantas que
agora os procuram e não encontram. Disse isso mesmo: postos de trabalho a tempo
inteiro. Nem quero imaginar o tipo de vínculos laborais que prepara o governo
para os meios postos de trabalho que a sua proposta pretende libertar.
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