A
análise que José Vitor Malheiros faz no Público de hoje, como significativo
título “Balanço e lições de uma greve estranha” coincide em muito com a nossa,
no que diz respeito à greve dos pilotos da TAP e às coincidências, interesses e
“lições” nela envolvidos. Trata-se de um excelente complemento para a opinião
que acima deixámos expressa.
Media
e comentadores foram repetindo nos últimos dias as estimativas do Governo e da
administração da empresa segundo as quais a greve dos pilotos da TAP causou um
prejuízo de 30 a 35 milhões de euros à empresa. No entanto, se esse fosse o
único prejuízo da greve decretada pelo Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil,
ele seria negligenciável.
O
primeiro custo da greve, que ninguém contabilizou, foi o sofrimento causado aos
passageiros que perderam os seus voos, que perderam dias de férias ou de trabalho,
que tiveram de passar horas ou dias à espera em aeroportos, sem que lhes fosse
disponibilizado um hotel para dormir ou uma refeição para comer ou sequer um
pedido de desculpas e uma informação séria. É evidente que uma greve provoca
sempre incómodos aos utentes dos serviços paralisados e não era de esperar que
esta não o fizesse. Mas existe uma diferença entre o incómodo de uma mudança de
companhia e de aeroporto, de uma viagem mais longa que o esperado e o desespero
causado pelo abandono a que milhares de clientes da TAP foram votados, sem
saber o que se passava, se iriam chegar ao seu destino, nem como e muito menos
quando. É sabido que, sempre que há cancelamento de voos, as companhias de
aviação tratam os seus passageiros de uma forma arrogante (a TAP não é
excepção) e que lhes recusam a informação mínima a que têm direito. Quem viaja
com frequência conhece a tortura de ver o seu avião desaparecer sem explicação
dos placards de informação, de não
conseguir a mínima informação por parte dos funcionários que se encontram no
aeroporto, de ter de calcorrear quilómetros de balcão em balcão para saber o
que se passa, de ter de perseguir pelo aeroporto o funcionário que distribui os
vouchers do hotel, etc. Quem já teve
de fazer tudo isto arrastando crianças ou idosos, cansados, irritados, com fome
e com sono, sabe do que se trata.
Como
acontece em qualquer crise, a administração da TAP poderia ter aproveitado a
oportunidade para mostrar a têmpera da empresa e disponibilizado a todos os
passageiros uma informação honesta e permanente — a primeira necessidade do
passageiro, ainda mais importante que o transporte alternativo. Não o fez. É
possível que não o tenha feito por incapacidade ou incompetência. É possível
que o tenha feito para mostrar que algo está podre na TAP e que a privatização
é a única solução. Nenhuma das alternativas dá uma boa imagem da empresa. A
administração da TAP ou fez má gestão ou má política.
O
custo reputacional foi o segundo grande problema e é provável que ele seja
muito superior aos 30 milhões referidos. Custo reputacional para a TAP, pela
atitude de indiferença pelos passageiros que lhe fica associada, mas também
para Portugal como destino turístico. Para muitos turistas, as horas e os dias
passados num aeroporto português sem qualquer informação foram horas e dias de
inferno. É natural que o vão contar alto e bom som nos seus países e que não o
esqueçam tão cedo.
Outro
custo, finalmente, de difícil quantificação, é o custo reputacional que a greve
dos pilotos teve para os sindicatos em geral e para a instituição da greve em
particular. A greve é um instrumento de defesa dos direitos dos trabalhadores e
tem, em princípio, uma motivação solidária de defesa do colectivo de
trabalhadores. Mesmo quando reivindica benefícios apenas para um grupo, uma
greve beneficia o colectivo, pois é o primeiro passo para que esse benefício se
alarge a todos. Não era o caso desta greve, uma greve que defendia de facto a
privatização da empresa apesar de não o admitir claramente, decretada em nome
da defesa de um privilégio de duvidosa legitimidade, concedido apenas a um
grupo profissional. As greves, sabemo-lo, não são muitas vezes populares. A
partir desta, sê-lo-ão ainda menos. Daí que o Governo tenha adoptado em relação
aos pilotos um discurso crítico mas surpreendentemente suave. A greve dos
pilotos da TAP encaixou perfeitamente na narrativa da administração e
governamental que refere uma empresa impossível de gerir pelo Estado e que tem
de ser privatizada, onde os trabalhadores, indiferentes à situação da empresa,
exigem privilégios irrealistas para si. Tivemos uma greve estranha. Tivemos um
conflito entre sindicato, administração da empresa e Governo onde todos queriam
(e querem) a privatização da empresa e depois do qual é provável que a causa da
TAP pública tenha perdido força. Se tudo tivesse sido orquestrado, não teria
sido melhor para os defensores da privatização.
Um ensinamento final que pode
ser a única coisa boa a retirar desta história é que é importante que os
trabalhadores participem nas decisões sindicais. O SPAC decretou legalmente uma
greve que ninguém sabe se teve ou não o apoio da maioria dos pilotos, muitos
dos quais criticaram duramente o processo interno de decisão. Esperemos que os
trabalhadores tenham aprendido que, para garantir a sua representação nos
sindicatos, devem participar neles.
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