quinta-feira, 21 de maio de 2015

CULTURA DE VERDADE E RESPONSABILIDADE AUSENTES


No texto que reproduzimos a seguir, o Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (*) afirma na parte final que “a realidade da saúde um Portugal é muito diferente da realidade mediática criada pelo Ministério [da Saúde]”. Afinal, nada que não aconteça em todas as áreas da governação onde, quem não se deixa levar por cantos de sereia sabe bem que a realidade portuguesa não tem nada a ver com aquela que os nossos governantes pintam na comunicação social especialmente na televisão. A “cultura de verdade e responsabilidade” de quem gere os destinos do país nunca esteve tão ausente como agora. Vale tudo para manter o poder, até o mais despudorado encobrimento da verdade.
A Ordem dos Médicos não é propriamente uma organização radical e, por isso, vale a pena ler-se o que afirma um dos seus responsáveis sobre “a realidade da saúde em Portugal”.
1233236 portugueses sem médico de família.
1 em cada 12 portugueses não tem médico de família atribuído.
Insensibilidade pelos problemas, pelas dificuldades económicas e sociais dos doentes.
Desinvestimento nos cuidados de saúde primários.
Desorganização na distribuição geográfica dos recursos humanos.
Falta de médicos, de enfermeiros, de administrativos e de auxiliares.
Desarticulação na ligação entre os Cuidados de Saúde Primários e os hospitais.
Hiperburocratização dos cuidados de saúde.
Disfunção dos programas informáticos criados pelo Ministério da Saúde, falta de interligação entre eles e desadequação aos computadores, material informático obsoleto.
Desconhecimento das realidades das unidades de saúde pelos dirigentes da Saúde.
Criação de profundas desigualdades entre as unidades de saúde, mesmo quando muitas vezes coabitam no mesmo Centro de Saúde.
Instalações exíguas e sem qualquer manutenção.
Gabinetes médicos sem espaço para entrarem macas ou cadeiras de rodas ou os familiares dos doentes.
Instalações mais compatíveis com países do Terceiro Mundo do que com um país moderno.
Gabinetes onde chove sobre a secretária do médico.
Funcionários a trabalharem em despensas no meio de dossiers.
Paredes enegrecidas pela humidade devido às permanentes infiltrações.
Tetos e paredes a cair, chão degradado.
Funcionários que compram aquecedores e equipamentos de ar condicionado que nunca foram colocados.
Profissionais de saúde a comprarem papel, luvas, otoscópios, pilhas, etc.
Médicos que têm de trazer, das suas casas, cadeiras que faltam para si e para os utentes.
Médicos em formação a partilharem o mesmo gabinete.
Falta de equipamentos adequados para tratar os doentes.
Faltas de medicamentos como analgésicos, insulina, aerossóis, etc, etc, etc.
Criação de barreiras que prejudicam a relação médico-doente.
Desumanização da saúde.
Estas são algumas das realidades que a Ordem dos Médicos tem detetado nas unidades de saúde primárias. Este balanço é conhecido dos profissionais de saúde e dos utentes. É uma realidade muito diferente da que é transmitida pelo Ministério da Saúde. É um quotidiano que é, afinal, um dos seus maiores falhanços.
O colapso não é total devido à coragem, dedicação e empenho dos médicos, dos enfermeiros, dos administrativos e dos auxiliares que lutam – diariamente – contra as adversidades e dificuldades perpetradas por uma organização e gestão incompetente dos responsáveis do setor.
O Dia Mundial do Médico de Família – que devia servir para o poder político homenagear o papel importante que estes médicos desempenham na saúde em Portugal e na humanização de todo o setor – serviu, porém, para mais uma infeliz oportunidade de apresentar mais promessas de contratação futura de médicos, de abertura de novas unidades de Saúde Familiares, de investimentos nas Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados, de médicos de família para todos os portugueses e de desenvolvimento de cuidados de saúde primários, nomeadamente na sua ligação aos hospitais.
A realidade da Saúde em Portugal é muto diferente da realidade mediática criada pelo Ministério. Falta uma cultura de verdade e de responsabilidade aos seus responsáveis.
É difícil existir uma área onde a diferença entre o prometido e o realizado é tão evidente.
(*) Carlos Cortes, Diário de Coimbra

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