Todas
as áreas da governação têm pontos comuns entre si e a ideologia que lhes subjaz
atinge todas da mesma forma. Por isso, a educação só pode ser compreendida no
contexto social, político e económico que a enquadra. Porquê esta afirmação? É que,
o texto seguinte com a assinatura do sociólogo bloquista João Teixeira Lopes
(*) e o que já aqui apresentámos hoje, assinado por Santana Castilho, encaixam-se
perfeitamente na crítica a programas de governo imbuídos da doutrina neoliberal
que agora domina o mundo. O primeiro na área da economia e o segundo na da
educação. Não podíamos, pois, deixar de incluir este artigo de João Teixeira Lopes,
como termo de comparação. É mais uma chega para desiludir todos aqueles que ainda
poderão acreditar ser possível o PS de António Costa levar a cabo um conjunto
de políticas substancialmente diferentes das da coligação de direita. Foi uma
feliz coincidência que os dois artigos tenham sido publicados no mesmo dia.
Assisti
com algum espanto a uma das últimas edições do Expresso da Meia-Noite, na SIC
Notícias, com três economistas liberais (incluindo Mário Centeno, coordenador
do estudo sobre o quadro macroeconómico encomendado pelo PS, uma economista da
Universidade Nova e a deputada do CDS-PP Cecília Meireles) e José Reis, da
Universidade de Coimbra.
A
certa altura, o discurso tornou-se surrealista, pois dir-se-ia que a economista
da Universidade Nova e Mário Centeno tinham entrado na estratosfera dos modelos
e das equações, uma vez que raciocinavam sem qualquer ligação à terra,
confrontando com grande à-vontade e esoterismo argumentos técnicos sobre os
“estabilizadores” e “multiplicadores” do “exercício”, distanciando-se a grande
velocidade daquilo a que Paulo Portas chamaria, com o talento retórico
habitual, “economia real” e que eu preferiria tão-só apelidar "sociedade
portuguesa".
Impressionou-me
a teimosia na criatividade e “inovação do modelo”, por parte de Mário Centeno,
que parecia um adolescente embevecido por uma qualquer engenhoca ou brinquedo
novo, referindo com expressividade o “mix de
medidas do lado da oferta e da procura” e as virtudes académicas do dito
“exercício”. Mas, tirando José Reis, nunca os participantes se focaram nas
decisivas questões da pobreza e das desigualdades sociais.
Mesmo
a mais vincada obsessão pelos números é muito seletiva. Para o modelo é
irrelevante saber se, em 2013, os 10% mais ricos da população auferiam um
rendimento 11,1 vezes superior ao dos 10% mais pobres, recuando a 2005. Ou se,
em 2012, Portugal apresentava um coeficiente de Gini de 34,2%, acima da média
UE-28 (30,5%), constituindo com a Bulgária (35,4%), Letónia (35,2%), Lituânia
(34,6%) e Grécia (34,4%) o conjunto de países europeus com a distribuição de
rendimentos mais desigual. Ou se o risco de pobreza se situava em 19,5% em
2013. Ou se os 20% dos trabalhadores mais ricos obtêm ganhos progressivamente
mais elevados, dualizando a sociedade portuguesa. Ou se o número de
desempregados que não recebem qualquer subsídio aumentou cerca de 157% entre
2013 e 2008, representando já 54,4%.
O
dito modelo despreza, decerto, todos os que defendem, como Alfredo Bruto da
Costa, que qualquer medida de política económica deve medir o seu impacto na
produção das desigualdades e da pobreza. Ora, este estudo econométrico propõe
aumentos marginais no rendimento social de inserção, incapazes de restituírem
um grau decente de proteção social a quem dela precisa, ao mesmo tempo que nada
diz sobre o aumento do salário mínimo. Nesse mesmo debate, o putativo futuro
ministro do PS, Mário Centeno, reiterava o que sempre defendeu sobre o salário
mínimo: a não ser que houvesse um grande aumento, o seu impacto no modelo seria
“zero” (mas as pessoas não comem modelos!). Mostrava também, no pico da
alegria, que existia no documento uma grande reforma estrutural no mercado de
trabalho: o novo "regime conciliatório e voluntário” de despedimento (um
paradoxo nos termos!).
A
República dos economistas liberais, à qual o PS prestou vassalagem, está nos
antípodas do que vem propondo o economista não liberal Thomas Piketty: repor a
distribuição da riqueza no centro da análise. Para tal, é imperioso combater a
concentração e acumulação de capital, através da articulação entre um imposto
progressivo sobre as sucessões, um imposto progressivo sobre o rendimento e um
imposto progressivo sobre o capital. O máximo que o “modelo” de Centeno permite
é uma tímida reposição do imposto sucessório que um anterior governo do PS
aboliu. Sobre as taxações dos ativos financeiros e das grandes fortunas nem uma
modesta equação.
Importa
perguntar, como naquele graffito
que há uns anos iluminava uma das paredes do ISCTE: estes economistas, para
quê? Ou, por outras palavras, quem nos mergulhou no furacão da crise vai agora
salvar-nos? Ou, se preferirem ainda, onde está a política? Onde está a
preocupação concreta pela superação das fraturas da sociedade portuguesa? A
ideologia, pelo contrário, eu sei bem onde está. Bem no centro, no coração
mesmo, daquele modelo “limpinho”, abstrato e cheio de maravilhosos e acertados
multiplicadores.
(*)
Público
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