domingo, 3 de maio de 2015

DESTRUIR QUALQUER RESQUÍCIO DO 25 DE ABRIL


A política económica e social da maioria de direita foi desde o início de destruição de tudo o que cheirasse ainda a 25 de Abril.
O “modelo desenhado pela troika” deu uma ajuda fundamental para uma série de decisões altamente prejudiciais para o interesse nacional, até porque o Governo, tal como Passos Coelho avisou a certa altura ultrapassou o radicalismo pretendido pela troika. Vendeu-se tudo de qualquer maneira, em que o único critério se resumiu a quem desse mais, ignorando o prejuízo que traria no futuro para Portugal.
O seguinte texto de Nicolau Santos, que retirámos da última edição do Expresso, chama exactamente a atenção para o fraco benefício que o investimento estrangeiro trouxe para Portugal nos últimos quatro anos para além das consequências desastrosas que aí poderão estar a caminho.  
A venda de empresas públicas e privadas é um traço marcante do ajustamento da economia portuguesa nos últimos quatro anos. Aliás, a pedra de toque do modelo desenhado pela troika residia precisamente no regresso em força do investimento estrangeiro, o que permitiria uma rápida recuperação após a cura de austeridade. Infelizmente, a redução dos salários na Função Pública e nas pensões, a simplificação do despedimento individual e a diminuição das indemnizações e os cortes severos na despesa pública, em particular nos apoios sociais e no investimento do Estado, não chegaram para convencer nem as agências de rating (que mantêm na classificação de “lixo” a dívida portuguesa) nem para atrair investimento estrangeiro que criasse empresas inovadoras e postos de trabalho qualificados.
Isso não significa que o investimento estrangeiro não tenha vindo em força para aproveitar a fragilidade do Estado e dos privados. Os investidores chineses foram a grande surpresa. A Three Gorges tornou-se acionista maioritária da EDP, a State Grid fez o mesmo na REN e na Efacec, a Fosun controla a Fidelidade e a Luz Saúde e está bem colocada na corrida ao Novo Banco, a Sinopec ficou com 30% da Petrogal Brasil, o grupo Haitong comprou o BESI, a Beijing Enterprises Water Group detém quatro redes de distribuição de água em baixa pressão. Os brasileiros da Camargo Côrrea adquiriram a Cimpor. Os franceses da Vinci ficaram com a ANA e os seus compatriotas da Altice com a PT Portugal. A angolana Isabel dos Santos tem presença significativa no BPI e na NOS, enquanto a Sonangol é a acionista maioritária do BCP.
Contudo, nenhum destes investimentos criou novas empresas. Vieram para comprar o que existia. Trouxeram financiamento (no caso chinês), mas não inovação. Vieram para aprender e ganhar experiência, não para ensinar ou transferir know-how. Querem ressarcir-se dos investimentos, não fazer mais investimentos. A troika e o Governo esperavam que daqui resultasse uma economia mais competitiva. Até agora não há evidências de tal. Não há mais emprego qualificado. Não há melhores salários para os quadros técnicos. Não há mais inovação.
Quanto ao processo e privatizações ou de alienação de participações públicas, obedeceu a um único critério: a maximização do encaixe. O vencedor foi sempre o que ofereceu mais. Nenhuma empresa foi considerada estratégica pelo Governo. Que, como disse Fernando Ulrich, a China esteja a fazer de Portugal o seu porta-aviões na Europa não preocupa o primeiro-ministro. Que Luís Séragga Leal diga que os investidores chineses compram empresas portuguesas como porta de entrada para os mercados europeus, PALOP  e América Latina não levanta nenhuma interrogação. Que a Cimpor esteja a ser desmantelada ou a PT Portugal reduzida a uma companhia local não inquieta São Bento. Que esteja nas mãos dos franceses da Vinci a construção do novo aeroporto não faz levantar a sobrancelha a ninguém do Governo.
É verdade que tínhamos de vender ativos. Mas um país não é uma empresa. E mesmo uma empresa sabe que tem de vender os anéis para ficar com os dedos. Quando se vendem os anéis e os dedos, o risco de morrer pobre e de gangrena é altíssimo.

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