Cipriano
Justo é um conhecido dirigente da Renovação Comunista. O artigo de opinião que
hoje assina no Público pode constituir um excelente indicativo sobre o apoio que
aquela organização política assim como outras que lhe são próximas se prepararão
para dar a Sampaio da Nóvoa já na primeira volta das eleições presidenciais. É bom
irmos fazendo as leituras de tomadas de posição deste tipo que, não são de tão
pouca importância como poderá parecer à primeira vista.
Considerando
que o actual Presidente da República chega ao fim do seu mandato carregando
consigo um dilúvio de críticas decorrente da cobertura que incondicionalmente
deu às medidas do Governo, é compreensível que, no limiar de um período
eleitoral em que os dois órgãos de soberania vão ser escrutinados em momentos
muito próximos um do outro, as candidaturas à Presidência da República acabem
por seguir uma lógica política equivalente à que se está a verificar com a
aceleração da campanha para as eleições legislativas.
E
a interpretação que deve ser dada a este fenómeno é a de que os portugueses
desejam conhecer desde já quem pode estar em melhores condições para substituir
os intérpretes das políticas que nos trouxeram até aqui.
Se
quanto às eleições legislativas a principal exigência era conhecer o que
eventualmente vai distinguir a coligação governamental da oposição, sobretudo
naquilo que vai ser prioritário durante todo o mandato do próximo governo — e
no que diz respeito ao Partido Socialista essa exigência está em grande medida
satisfeita —, já quanto às eleições presidenciais foi a incerteza que dominou o
quadro da concretização das potenciais candidaturas.
Em
abono do apelo de uma corrente de opinião que se tem vindo a impor na vida
política, defendendo o aparecimento de novos actores políticos a disputar
posições nas várias esferas da governação do país, o exemplo da decisão de
Sampaio da Nóvoa, sendo de saudar, é sobretudo a manifestação de que existe,
fora dos circuitos partidários, quem também saiba interpretar as exigências de
certas conjunturas históricas, sem que para o efeito tenha de se apresentar
caucionado com o lastro de uma vida político-partidária recheada de cargos.
Neste caso, além do seu currículo profissional, Sampaio da Nóvoa apresenta-se
como o candidato que retoma o esquecido exercício da eloquência, tão necessária
para mobilizar as capacidades indispensáveis à reconstrução de um país em que
as pessoas, no dizer de Herberto Helder, já não se queixam “de nada do mundo
senão do preço das bilhas gás”.
Não
é que a eloquência de Sampaio da Nóvoa se manifeste numa espécie de desprendido
“gesto largo, liberal e moscovita”; percebe-se que é antes a tradução de um
pensamento estruturado no qual estão sempre presentes os valores da
solidariedade e a necessidade de equacionar e influenciar soluções que, estando
já identificadas, aguardam a sua concretização. E para quem lhe aponta a
ausência de um pensamento político é ler, por exemplo, a entrevista que deu ao
jornal i, publicada na edição de 2 de
Maio, na qual a certa altura faz uma sofisticada interpretação da
política de educação de Nuno Crato: “Quando Nuno Crato diz que 'o importante é
o Português e a Matemática', ninguém discorda, mas ele está a utilizar isto
como uma metáfora que na verdade ressoa à metáfora organizadora da escola
salazarista do 'ler, escrever e contar'. Quando se diz isto, não se está a
dizer que o Português e a Matemática são importantes, está-se a dizer outra
coisa: que tudo o resto é irrelevante. E foi isto que organizou a escola
salazarista.”
É por todas estas razões que
as organizações partidárias de esquerda deveriam ajustar os seus cálculos. Aos
aspectos tácticos, há que considerar que a candidatura de Sampaio da Nóvoa
reúne os critérios necessários e suficientes para que, logo na primeira volta
das eleições, derrote o candidato da direita. No plano substantivo e no plano
simbólico, este não é um objectivo que deva ser politicamente desvalorizado. A
derrota da direita, de maneira a não alimentar veleidades políticas nos
próximos anos, tem como condição ficar numa expressiva minoria na Assembleia da
República e ver o seu candidato a Presidente da República derrotado na primeira
volta.
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