O
relatório “Uma década para Portugal”, encomendado pelo PS, começou por entusiasmar
alguns sectores de opinião da sociedade portuguesa. No entanto, quando
submetido a uma análise mais fina, cedo se percebeu que se tratava de um
programa de cariz conservador que não corresponde, principalmente, às
necessidades e aspirações dos trabalhadores. No fundo, acaba por ser um balde
de água fria para quem esperava algo de muito diferente proveniente deste PS de
António Costa.
A
seguir apresentamos três excertos de um artigo de opinião da autoria do Prof. Catedrático
do ISEG, José Pedro Pontes, onde são fortemente criticados os aspectos laborais
do referido relatório.
Na
verdade, não concordo com a ideia-chave do relatório “Uma década para Portugal”,
elaborado por um grupo de doze economistas por conta do PS. Este relatório
funda-se sobre a chamada “economia do trabalho”, segundo a qual a formação dos
salários é vista como um confronto no mercado entre oferta e procura dos vários
tipos de trabalho e qualificação. Deste ponto de vista, a regra da “flexibilidade
salarial” – a ideia de que se deve pagar a cada trabalhador um montante
exatamente igual ao valor do acréscimo de produção que a sua contratação provoca
– é fundamental para impedir que a produção e o emprego sediados em Portugal se
movam para outras paragens.
Vejo
as coisas de maneira diferente. A noção de “mercado de trabalho” é, para mim, equívoca,
já que o “trabalho” não é uma “mercadoria”, mas é uma capacidade associada à
energia vital de cada pessoa. A relação salarial é uma relação completamente
institucionalizada, em que a partilha entre salários e lucro é condicionada por
uma relação de forças entre patronato e organizações de trabalhadores e, também,
no caso das pequenas empresas, pela imbricação da empresa com a estrutura
familiar subjacente.
A
ênfase atribuída pelo Relatório à “flexibilidade salarial” em detrimento da aplicação
de uma organização social do trabalho equilibrada, que permitisse uma divisão mais
simétrica do valor acrescentado na produção entre os salários e o lucro, é
visível nas propostas de troca de direitos laborais por incentivos monetários. Um
primeiro exemplo é a facilitação do despedimento individual, no quadro de um
chamado “mecanismo conciliatório”, em troca de uma indemnização mais alta. Um segundo
exemplo é a proposta de impedir que as empresas realizem demasiados
despedimentos, sancionando-as com um imposto, em vez de atribuir direitos aos
trabalhadores no sentido de uma maior segurança laboral.
Mas
o aspeto mais revelador da ideia de “flexibilidade salarial”, subjacente ao
documento dos doze economistas, consiste em que, do seu ponto de vista, o
salário de um trabalhador deve poder cair, se for necessário, para um nível
arbitrariamente próximo de zero, como se esse trabalhador pudesse “viver do ar”.
Face a este working poor, o estado atribuirá então um complemento salarial, ou “imposto
negativo” (a ideia vem do economista conservador Milton Friedman), por forma a
proporcionar-lhe um nível de vida decente. É a separação completa da “economia”
e da “política”.
Neste
caso, em vez do “imposto negativo” à la Friedaman, um partido socialista
deveria defender um aumento do salário mínimo, porque este aumento afeta os
salários mais baixos e altera as relações de força no interior das empresas a
favor dos trabalhadores.
(…)
Em
síntese, acho que se trata de um programa de natureza “conservadora”. Pode-se
argumentar que é a tendência de todos os PS por essa Europa fora (França,
Itália). Mas não é verdade. No verdadeiro coração da Europa, que é a Alemanha,
o SPD coligado em minoria com a CDU de Merkel, tem conseguido impor uma agenda
verdadeiramente “socialista” no plano interno, com a criação de um salário mínimo
à escala nacional (que antes não existia) e com abolição de TODAS as propinas
no Ensino Superior público, financiando este exclusivamente pela via fiscal.
(…)
O
que diferencia os países da UE, tornando-os mais ou menos competitivos, são a
cultura, e as instituições que estão incrustadas no processo produtivo. Assim,
no núcleo central da Europa, os sindicatos continuam a ser determinantes para a
relação salarial, ao passo que, na periferia europeia, cada trabalhador se
relaciona individualmente com a entidade patronal. Não é difícil prever o
resultado desta diferença organizacional sobre o grau de simetria na distribuição
funcional do rendimento nos vários estados que formam a UE.
É o nosso destino passar a
vida a correr atrás dos alemães…
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