terça-feira, 31 de março de 2015

DINHEIRO NUNCA FALTOU…


Como tem sido sobejamente referido, e, ao contrário do que a propaganda governamental nos quis fazer crer durante muito tempo, nunca faltou dinheiro às grandes empresas só que não o aplicaram “nem para abater a dívida nem para fazer investimento”, como refere Francisco Louçã no texto que assina hoje no seu blog no Público, tendo por base um artigo inserido no Expresso Economia do passado sábado. A linguagem simples utilizada por Louçã é acessível a qualquer pessoa, permitindo aos leitores compreender quanto quiseram enganar os portugueses.
Em poucas palavras ficámos a perceber, de uma vez por todas, quem viveu acima das suas possibilidades… e quem pagou a factura.
Se pensava que com a comissão de inquérito ao BES e com os longuíssimos testemunhos dos banqueiros, contabilistas e afins ficou a saber como funcionava a elite da economia nacional, pois prepare-se para mais notícias surpreendentes. O Expresso deste sábado apresenta uma delas e é um número: de 2008, quando começou a crise financeira, até 2014, as empresas que agora estão no PSI20 distribuíram 13 mil milhões de euros em dividendos. É mais do que as empresas chinesas aplicaram em privatizações em Portugal, acrescentam com malícia e rigor as autoras do artigo (Elisabete Tavares e Joana Madeira Pereira, “PSI20 paga 13 mil milhões de dividendos desde 2008”). Por outras palavras, nunca faltou dinheiro. Outra coisa é saber como foi aplicado.
De facto, houve dinheiro mesmo quando não havia. Exemplos: mesmo com prejuízos de 63 milhões, em 2011 a Sonae SGPS pagou 66,2 milhões de dividendos. Usou as suas reservas para satisfazer os accionistas. A Zon, em 2012, com modestos ganhos de 22 milhões, pagou o triplo em dividendos, 61,8 milhões. O mesmo já tinha acontecido no ano anterior. A administração foi às reservas.
Havia portanto dinheiro. E generosamente: as duas empresas mais endividadas, a EDP e a PT, foram as recordistas do pagamento de dividendos (4,4 mil milhões na EDP e mais de 3 mil milhões na PT). No total, os pagamentos de dividendos em 2014 foram 1,7 mil milhões, ou seja, 57% do lucro foi entregue aos accionistas no caso das empresas não financeiras do PSI20. Se considerarmos o peso dos dividendos comparado com os resultados líquidos, então temos o número esmagador de 154% em todo o PSI20 (em 2013 e por causa dos prejuízos da banca). Os dividendos foram ao pote.
Note bem. Durante estes anos vivemos primeiro uma crise financeira e depois uma recessão prolongada. O endividamento destas empresas aumentou e o seu investimento caiu a pique. Ficaram mais pobres. Mas usaram mais de metade dos seus rendimentos para pagar dividendos aos seus accionistas – mesmo quando tinham prejuízos ou quando gastavam mais do que o que tinham ganho. Não foi nem para abater a dívida nem para fazer investimento para terem melhores resultados no futuro (já para não dizer criar emprego ou aumentar a capacidade produtiva). Foi para pagar dividendos. Chama-se a isto viver acima das suas possibilidades. E é a história da burguesia portuguesa.
Pois é. O caso Salgado não é só uma maçã podre que perturbava o cesto. O cesto é que é o problema pior.

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