Passos
Coelho, depois de representar a face da austeridade radical – para não usarmos
um termo mais violento – passou agora a ser também o rosto do incumprimento das
obrigações contributivas.
A
imagem de homem honesto que a propaganda partidária lhe atribuía até agora não
tinha grande correspondência com a realidade, na medida em que o caso dos
rendimentos da Tecnoforma nunca foram explicados e, como agora se vê e diz o
povo, “a ocasião faz o ladrão”. Afinal, suspeita-se que, além de Passos Coelho
se esquecer cumprir as suas obrigações fiscais, também o fisco se esqueceu de o
chamar à pedra. Coincidências afirmarão os mais ingénuos enquanto os mais
avisados terão poucas dúvidas de que aqui há marosca da grossa, como o prova a
famosa lista de contribuintes VIP…
O
caso do incumprimento fiscal de Passos Coelho já tem feito correr muita tinta e
assim vai continuar porque se trata de uma situação incontornável em toda a
acção do primeiro-ministro como governante e é bom que os portugueses não o
esqueçam no momento em que forem votar nas próximas eleições legislativas. O texto
seguinte (*) que transcrevemos do Diário as beiras é mais um para não deixar
que este caso seja esquecido.
Há
nos desenhos animados duas personagens muito parecidas, andam sempre juntas e
todos receiam as suas diabruras. Ambas disputam malandrices e ninguém na cidade
dos brinquedos está livre de lhe pregarem uma partida. Acontece que o sonso é
mais ingénuo e o Mafarrico mais espertalhão. Mas ambos, nas histórias do Noddy
acabam por pagar pelas suas travessuras.
É
uma boa lição de moral ensinada às crianças. Mas a vida real não é como a
cidade dos brinquedos e há nela circunstâncias que deviam conhecer um final
diferente. O mais recente escândalo que envolve o incumprimento contributivo e
fiscal do primeiro-ministro Passos Coelho, mesmo reportando-se a circunstâncias
passadas, daria demissão em vários países com exigência crítica e escrutínio
democrático sobre os que exercem funções governativas.
Durante
cinco anos Passos Coelho não fez descontos para a segurança social e acumulou
uma dívida só saldada quando os jornalistas descobriram o calote. Pagou,
segundo o próprio, por pressão do jornalista do Público José António Cerejo.
Passos disse que achava que nessa altura fazer descontos para a Segurança
Social era opcional. Ele disse desconhecer a lei que tinha obrigação de
conhecer. Faltou-lhe o dinheiro, sobrou-lhe o esquecimento. A Segurança Social
deixou prescrever a dívida, quando para outros é tão astuta, sagaz, apressada e
insensível. Mesmo assim o Mafarrico e o Sonso afinal parecem safar-se no mundo
real. Curiosamente, Passos negou dar mais esclarecimentos por entender
tratar-se da sua vida pessoal.
Teriam
os jornalistas direito a questioná-lo sobre as suas prevaricações
contributivas? Ele pensa que não. Eu acho que sim por dois motivos. O Código
Deontológico dos jornalistas portugueses estabelece que deve ser respeitada a
privacidade das pessoas, exceto quando estiver em causa o interesse público.
Vejamos, o primeiro-ministro não é um cidadão comum, é o timoneiro das
políticas públicas que impendem sobre os outros indivíduos. Muitos destes
vivendo com fortes constrangimentos e não vislumbrando o Estado qualquer
contemplação face à situação aflitiva em que caíram. Ora, tendo sido descoberta
uma prevaricação cometida pelo chefe do Governo, isso tem manifesto interesse
público. Por outro lado, a postura de Passos Coelho na imposição da
austeridade, bem como a imagem de seriedade que publicamente tem cultivado,
contradiz manifestamente os factos agora conhecidos sobre as suas obrigações
contributivas, o que o diminui moralmente no cargo, pois fica sem autoridade
para exigir cumprimento aos cidadãos quando ele próprio passou a ser o rosto do
incumprimento.
Perante
o tribunal do escândalo (os media), as figuras públicas são alvos
preferenciais. Estes correm o risco de que o seu comportamento privado possa
ser visto como inconsistente com valores e crenças que publicamente defendem.
Passo esqueceu-se de declarar os rendimentos da Tecnoforma, esqueceu-se das
contribuições à Segurança Social, esqueceu-se de pagar atempadamente ao fisco.
E perdeu a autoridade… Paulo Portas sempre olhado de lado pelo PSD presumindo o
seu envolvimento em vários escândalos, conhece bem o valor da expressão “quem
ri por último…”
Em
entrevistas à imprensa, alguns amigos relatam que ele era desorganizado. O
Pedro das regras foi afinal um perdulário. O Pedro alemão foi um português
comum que se atrasou, apanhou multas e deixou contas por pagar. O Mafarrico pôs
o chapéu de Sonso esperando assim passar incólume na cidade dos brinquedos.
(*)
Bruno Paixão, investigador em comunicação
política
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