A
existência de um dia mundial das mulheres é o primeiro dado da permanência de
uma situação de desigualdade relativamente aos homens. Neste dia 8 de Março é muito
importante fazer lembrar esta situação, mais grave em alguns países que noutros
mas não completamente erradicada de nenhum país. Como aqui referimos ontem, no Afeganistão, por
exemplo, ainda se chega ao ponto de se assistir a uma manifestação de homens
vestidos de burka, em defesa dos direitos das mulheres…
A
propósito deste dia da mulher, consideramos muito importante deixar aqui este
interessante texto (*) que transcrevemos do Público de há dois dias.
Aproxima-se
a 59.ª sessão da Comissão do Estatuto das Mulheres; entre os dias 9 e 20 de
Março, a sede das Nações Unidas (Nova Iorque) acolherá o tema “Pequim+20”.
Trata-se de um momento histórico relevante, dado que decorrem exatamente 20
anos sobre a adoção da Declaração e da Plataforma de Ação — dois documentos
políticos resultantes da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres, das Nações
Unidas, que teve lugar na cidade de Pequim em 1995.
A
Plataforma de Ação, subscrita por 189 Governos, é desde então um dos
instrumentos de referência mundial no que diz respeito à construção da
igualdade entre mulheres e homens. Integra medidas concretas relativamente a
doze objetivos estratégicos: a) as mulheres e a pobreza; b) educação e formação
das mulheres; c) as mulheres e a saúde; d) a violência contra as mulheres; e)
as mulheres e os conflitos armados; f) as mulheres e a economia; g) as mulheres
no poder e na tomada de decisão; h) mecanismos institucionais para o progresso
das mulheres; i) os direitos humanos das mulheres; j) as mulheres e os meios de
comunicação social; k) as mulheres e meio ambiente; l) e os direitos das
raparigas. Passadas duas décadas, é tempo de avaliar os desenvolvimentos das
áreas estratégicas de intervenção, identificar os principais obstáculos ao
progresso, e definir iniciativas e ações concretas que possam acelerar a
mudança preconizada.
De
entre as doze áreas críticas inscritas na Plataforma de Ação de Pequim (PAP),
detenho-me agora na promoção da participação das mulheres no poder e na tomada
de decisão (objetivo estratégico G). Recordo que há 20 anos os governos, o
sector privado, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações
patronais, as instituições de investigação e académicas, os organismos públicos
e as organizações não-governamentais foram exortadas a: adotar medidas que
permitissem a criação de uma massa crítica de mulheres dirigentes, executivas e
gestoras em lugares estratégicos de tomada de decisão (através de iniciativas
de ação positiva); criar ou reforçar mecanismos de acompanhamento de acesso das
mulheres aos níveis superiores de tomada de decisão; rever os critérios de
recrutamento e nomeação para os organismos de consulta e de decisão, bem como
os critérios de promoção a postos de direção (a fim de afastar enviesamentos em
função do género); garantir a igualdade na representação de mulheres e homens
nas respetivas estruturas internas, incluindo a igual participação nos seus
órgãos de decisão e nas negociações em todos os sectores e a todos os níveis;
possibilitar a reestruturação dos programas de recrutamento e de progressão nas
carreiras para assegurar a igualdade entre homens e mulheres no acesso à
formação empresarial, técnica, em gestão e liderança; aplicar critérios
transparentes para lugares de decisão, garantindo uma representação equilibrada
dos organismos de seleção; e ministrar às mulheres e aos homens uma formação
capaz de promover relações de trabalho não discriminatórias.
Ainda
naquele ano (1995), o Conselho da Europa constituiu um grupo de peritos/as para
a conceptualização de uma perspetiva integrada de género e a definição das
metodologias inerentes. O Conselho Europeu reconheceu, por essa altura, o
compromisso da União Europeia com a PAP e expressou a intenção de monitorizar
anualmente a sua implementação em todos os Estados-Membros. Após a concordância
do Conselho Europeu em Dezembro de 1998, procedeu-se a partir de 1999 ao
desenvolvimento de indicadores quantitativos e qualitativos de monitorização
das ações contempladas nas áreas críticas da PAP. No que diz respeito à tomada
de decisão na esfera económica, só no âmbito da Presidência Italiana, em 2003,
foram definidos nove indicadores para efeitos de monitorização e acompanhamento
das eventuais mudanças.
É
de referir que o programa europeu de ação (1991-1995) já consagrava o objetivo
de alcançar uma representação equilibrada de mulheres e de homens em todos os
processos de tomada de decisão, a todos os níveis da sociedade. Uma
recomendação do Conselho, de 6 Dezembro de 1996, ao fazer referência a uma recomendação
anterior, de 1984, aconselhava os Estados-Membros a adotarem uma estratégia
integrada para promover esse equilíbrio (incluindo medidas legislativas e/ou
regulamentares e/ou de estímulo). Mas, ao longo dos anos, o percurso normativo
tem sido muito vagaroso (como aqui escrevi no dia 5/12/2014 — “Lenta Europa.
Onde paira a proposta de Diretiva para promover a representação equilibrada de
mulheres e homens nos conselhos de administração?”).
Não
é preciso ser especialista nesta matéria para rapidamente depreender que pouco
se avançou no domínio da participação das mulheres no poder e na tomada de
decisão, muito em particular na esfera económica. Em Santiago (Chile), nos dias
27 e 28 de Fevereiro de 2015, várias mulheres em lugares de liderança reuniram-se
em torno do tema “Women in power and decision-making: building a different world”, num evento apoiado pela
própria presidente do Chile, Michele Bachelet, anteriormente Diretora-executiva
da ONU-Mulheres. A avaliar pelo lento e arrastado ritmo das mudanças, serão
ainda precisos 81 anos para alcançar a paridade nas empresas e 75 anos para que
se vença a desigualdade salarial em desfavor das mulheres. Urge, assim, um
renovado compromisso político relativamente às áreas críticas da PAP,
explicitamente orientado para o alcance de mudanças substantivas e para a
definição de metas temporais claras e objetivas. Estabeleceu-se ali como limite
um intervalo de 15 anos. É este o tempo para a concretização do empoderamento
das mulheres, a plena efetivação dos direitos humanos das mulheres e raparigas,
e o fim de todas as desigualdades de género (aliás, a Agenda de Desenvolvimento
e Direitos Humanos deve estar concluída em 2030). Eis uma boa sugestão de
leitura por ocasião deste 8 de Março: o apelo lançado por este grupo de
mulheres aos líderes políticos e económicos de todo o mundo: The Call to Action “Women
Leaders: Time to Step it up for Gender Equality”. Sim, é bem verdade: we have waited long enough! (já esperámos tempo
suficiente)
(*) Sara
Falcão Casaca
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