quinta-feira, 26 de março de 2015

O ESTRANHO MUNDO NEOLIBERAL


Após milénios em que a humanidade vive em sociedades organizadas, continuamos ao sabor dos interesses de ricos e poderosos. Estes encontram sempre uma maneira de subjugar em seu proveito os direitos da esmagadora maioria das populações. Mente-se, dá-se o dito por não dito, criam-se conflitos sangrentos com milhões de vítimas todos os anos, para satisfazer a infinita ganância de uma pequena minoria. Para este efeito, criou-se um sistema tão sofisticado, com meios suficientemente complexos cuja acção leva os mais sacrificados a aceitarem com naturalidade o esbulho a que são submetidos. A doutrina neoliberal com o seu visível desígnio de dominar tudo e todos em prol de uns poucos está a mostrar a sua verdadeira face, de tal modo que começa a não passar despercebida mesmo aos menos atentos.
O texto seguinte que transcrevemos do Diário de Coimbra de hoje como que contém vários exemplos que completam o nosso raciocínio e conclui com uma chamada de atenção. Vale a pena lê-lo.
Quando se invade um país (Iraque), alegadamente para instaurar a democracia, abandonando-o doze anos depois, destruído, em plena guerra civil, sob o jugo de um pretenso califado islâmico e com um somatório de dezenas de milhares de mortos. Quando se assassina um ditador (Kadhafi) para refazer um estado democrático e, em vez disto, permitir-se um confronto brutal entre guerrilhas, duplos poderes mortíferos e a transformação do país num espaço de treino de jihadistas, que matam, executam e degolam homens e mulheres.
Quando se fomentam revoluções coloridas ou primaveras árabes (Egipto) para substituir um Mubarack – acusado de tudo e de coisa nenhuma, como concluíram os tribunais – por um marechal Sissi, cuja primeira missão foi eliminar fisicamente nas ruas ou condenar à morte a liderança da irmandade muçulmana.
Quando os principais financiadores da onda terrorista mundial – Arábia Saudita e Catar – são adulados pelos países ocidentais, que nem sequer se penitenciam pela venda de material militar sofisticado ou pelo tratamento que é reservado às mulheres e aos trabalhadores, tratados como escravos, como os que estão a construir os equipamentos para o mundial de futebol, neste último país.
Quando um estado do sudoeste americano (Utah) repõe os pelotões de execução para os condenados à pena de morte, em situações de penúria de produtos de injecção letal.
Quando um Presidente da República compra e vende acções, com mais-valia de centenas de milhares, de uma sociedade (SLN) que está no centro do escândalo financeiro do BPN, sem se demitir ou ser demitido das suas funções.
Quando um Primeiro-Ministro acha “natural” ter-se esquecido de pagar as suas contribuições à segurança social, enquanto cidadãos constatam a penhora dos seus bens por dívidas ao estado, muitas vezes de forma brutal.
Quando um membro de um governo – a senhora ministra das finanças – revela que “os bolsos estão cheios”, enquanto a maioria da “gente” os tem vazios, resultante da astúcia e da desregulação, na criação de planos de austeridade.
Quando um ex-Primeiro-Ministro se encontra detido, acusado de crimes graves, todos eles envolvendo as ligações espúrias entre o poder e o dinheiro, enquanto banqueiros e afins (BPP/BPN/BES/BRSI/BESA) continuam impávidos e à solta, com uma serenidade tenebrosa.
Quando os principais atores da corrupção se instalam nas cúpulas do estado e defendem mediaticamente a sua própria leitura do mundo, com técnicas e instrumentos de banalização do crime.
Quando isto tudo acontece, urge compreender que a actual situação terroriza, não só pela conduta de pretensos califas ou pela degradação social e económica das nossas sociedades, mas pela crueza da perda do verdadeiro sentido da palavra.
Quando o Papa Francisco se deslocou, há dias, a Nápoles, foi também no superior entendimento do parágrafo anterior que exclamou, ao dirigir-se diretamente à máfia: a corrupção fede, uma sociedade corrupta fede e um cristão, que deixa entrar nele a corrupção fede.
Estamos a esquecer-nos de que o nazismo, o fascismo e outros totalitarismos foram uma resposta brutal a uma crise do individualismo, nas suas componentes morais, de cidadania e de processos intrinsecamente destruidores dos valores da modernidade.
 

Sem comentários:

Enviar um comentário