Após
milénios em que a humanidade vive em sociedades organizadas, continuamos ao
sabor dos interesses de ricos e poderosos. Estes encontram sempre uma maneira
de subjugar em seu proveito os direitos da esmagadora maioria das populações. Mente-se,
dá-se o dito por não dito, criam-se conflitos sangrentos com milhões de vítimas
todos os anos, para satisfazer a infinita ganância de uma pequena minoria. Para
este efeito, criou-se um sistema tão sofisticado, com meios suficientemente
complexos cuja acção leva os mais sacrificados a aceitarem com naturalidade o
esbulho a que são submetidos. A doutrina neoliberal com o seu visível desígnio de
dominar tudo e todos em prol de uns poucos está a mostrar a sua verdadeira
face, de tal modo que começa a não passar despercebida mesmo aos menos atentos.
O
texto seguinte que transcrevemos do Diário de Coimbra de hoje como que contém
vários exemplos que completam o nosso raciocínio e conclui com uma chamada de
atenção. Vale a pena lê-lo.
Quando
se invade um país (Iraque), alegadamente para instaurar a democracia,
abandonando-o doze anos depois, destruído, em plena guerra civil, sob o jugo de
um pretenso califado islâmico e com um somatório de dezenas de milhares de
mortos. Quando se assassina um ditador (Kadhafi) para refazer um estado
democrático e, em vez disto, permitir-se um confronto brutal entre guerrilhas,
duplos poderes mortíferos e a transformação do país num espaço de treino de
jihadistas, que matam, executam e degolam homens e mulheres.
Quando
se fomentam revoluções coloridas ou primaveras árabes (Egipto) para substituir
um Mubarack – acusado de tudo e de coisa nenhuma, como concluíram os tribunais
– por um marechal Sissi, cuja primeira missão foi eliminar fisicamente nas ruas
ou condenar à morte a liderança da irmandade muçulmana.
Quando
os principais financiadores da onda terrorista mundial – Arábia Saudita e Catar
– são adulados pelos países ocidentais, que nem sequer se penitenciam pela
venda de material militar sofisticado ou pelo tratamento que é reservado às
mulheres e aos trabalhadores, tratados como escravos, como os que estão a
construir os equipamentos para o mundial de futebol, neste último país.
Quando
um estado do sudoeste americano (Utah) repõe os pelotões de execução para os
condenados à pena de morte, em situações de penúria de produtos de injecção
letal.
Quando
um Presidente da República compra e vende acções, com mais-valia de centenas de
milhares, de uma sociedade (SLN) que está no centro do escândalo financeiro do
BPN, sem se demitir ou ser demitido das suas funções.
Quando
um Primeiro-Ministro acha “natural” ter-se esquecido de pagar as suas
contribuições à segurança social, enquanto cidadãos constatam a penhora dos
seus bens por dívidas ao estado, muitas vezes de forma brutal.
Quando
um membro de um governo – a senhora ministra das finanças – revela que “os
bolsos estão cheios”, enquanto a maioria da “gente” os tem vazios, resultante
da astúcia e da desregulação, na criação de planos de austeridade.
Quando
um ex-Primeiro-Ministro se encontra detido, acusado de crimes graves, todos
eles envolvendo as ligações espúrias entre o poder e o dinheiro, enquanto
banqueiros e afins (BPP/BPN/BES/BRSI/BESA) continuam impávidos e à solta, com
uma serenidade tenebrosa.
Quando
os principais atores da corrupção se instalam nas cúpulas do estado e defendem
mediaticamente a sua própria leitura do mundo, com técnicas e instrumentos de banalização
do crime.
Quando
isto tudo acontece, urge compreender que a actual situação terroriza, não só
pela conduta de pretensos califas ou pela degradação social e económica das
nossas sociedades, mas pela crueza da perda do verdadeiro sentido da palavra.
Quando
o Papa Francisco se deslocou, há dias, a Nápoles, foi também no superior
entendimento do parágrafo anterior que exclamou, ao dirigir-se diretamente à
máfia: a corrupção fede, uma sociedade corrupta fede e um cristão, que deixa
entrar nele a corrupção fede.
Estamos a esquecer-nos de que
o nazismo, o fascismo e outros totalitarismos foram uma resposta brutal a uma
crise do individualismo, nas suas componentes morais, de cidadania e de
processos intrinsecamente destruidores dos valores da modernidade.
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