Aos
poucos, mas de forma bem visível, a nossa liberdade está a ser mutilada e
receamos bem que num futuro não muito longínquo todo o planeta se transforme
num enorme universo do pensamento único e controlado com mão de ferro. Estamos à
beira de uma sociedade orwelliana onde não só todos os nossos passos são
seguidos milímetro a milímetro como a nossa mente é metodicamente controlada, não
se dê o caso de alguém ter a ousadia de pensar de forma diferente da que o “grande
irmão” definiu. O tipo de sociedade ficcionada por George Orwell em “1984” está
à beira de acontecer. A nossa ingénua credulidade, metodicamente formatada por
uma máquina de propaganda em que nada falha, abre caminho a toda a espécie de
arbitrariedade e discricionariedade que o poder queira exercer sobre nós.
O
artigo seguinte, transcrito do Público de hoje, é um excelente comentário de
José Vitor Malheiros sobre “as chamadas leis antiterrorismo que estão a ser
discutidas na especialidade na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias”, uma porta de entrada para a atribuição do epíteto de “terrorista”
a qualquer cidadão. É caso para ficarmos alerta…
A
verdade é que somos crédulos. Não é uma questão de opinião, é um facto
constatado pela investigação. Somos crédulos. Não só nós, os portugueses, mas a
espécie humana em geral.
Pelo
menos a variante que vive nas sociedades industriais da actualidade e que passa
as suas cinco horas por dia em frente da televisão. Acreditamos na
propaganda que vem nos rótulos dos produtos que compramos no supermercado
(“Seleccionámos as melhores laranjas para si”) e acreditamos no que nos dizem
os políticos mesmo quando se trata de figurões que vemos mentir regularmente na
TV, noticiário após noticiário (“Portugal tem agora um Estado social mais
forte”). A verdade é que gostamos de acreditar. É mais simples, dá menos
trabalho, permite-nos manter um grau de confiança na espécie humana que torna a
nossa vida menos amarga e mais esperançosa e permite-nos manter uma boa imagem
de nós próprios. Afinal, se a gente que manda é tudo boa gente, não é preciso
fazermos nada de especial, pois não? Basta fazer o que eles dizem, mais coisa
menos coisa. Não é como se estivéssemos a negligenciar o futuro dos nossos
filhos ou a ser cúmplices da destruição do planeta, não é?
É
isso que explica que o PSD tenha os votos que tem nas sondagens em vez dos 5%
que seriam compreensíveis. Acreditamos que eles não podem ser tão desonestos
como parecem e que não podem ser tão indiferentes como são. E fazemos a mesma
coisa com as leis que a maioria aprova no Parlamento. Mesmo quando as leis são
tão vagas que tudo pode acontecer, mesmo quando abrem caminho à arbitrariedade
e à discricionariedade, preferimos acreditar que vai haver sensatez e
equilíbrio na sua interpretação e na sua aplicação.
As
chamadas leis antiterrorismo que estão a ser discutidas na especialidade na
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, depois
de terem sido aprovadas na generalidade pelos partidos do Governo e pelo PS,
são um desses casos.
Tornar
um crime a consulta de sites que
defendem o terrorismo? Parece um bocado excessivo, principalmente quando todos
nós já fizemos precisamente isso e, se não fizemos mais, foi porque o Google
Translator ainda é um bocado canhestro a traduzir o árabe, mas, se a lei for
aprovada, queremos acreditar que será aplicada com sensatez, conta, peso e
medida.
Proibir
o acesso a esses sites?
Forçar os fornecedores de acesso à Internet a impedir o acesso dos utilizadores
e a identificar e denunciar os que lá acedam? Enfim, pode ser um atentado à
liberdade de expressão, mas certamente que não se vão fechar todos os sites mas só os que forem mesmo
muito, muito terroristas.
Prender
e acusar de terrorismo todos os que façam a sua apologia? Bom, vai ser difícil
definir exactamente o que é a “apologia do terrorismo”, mas certamente que
também aqui se vai usar da sensatez, da inteligência, da finura de análise e do
cuidado em não ferir os direitos fundamentais dos cidadãos, além de que todas
estas leis surgem na sequência de decisões das Nações Unidas e do Conselho da
Europa, que são, como se sabe, instituições preocupadas com os direitos
humanos.
Acusar
e condenar as pessoas que viajem para os territórios ocupados pelo Daesh com a
intenção de praticar actos terroristas? Bom, é um bocadinho mais difícil
adivinhar intenções, mas com um bocadinho de imaginação...
Sejamos
claros: aprovar um pacote legislativo tão vago na definição dos termos como o
que este se arrisca a ser é abrir a porta a todos os excessos e a uma redução
brutal das liberdades usando como pretexto o justificado horror dos cidadãos
perante os excessos do Daesh e a injustificada propaganda segundo a qual esta
organização terrorista consegue transformar jovens cordatos em assassinos
sanguinários com uma varinha de condão agitada através da Internet.
O
pacote legislativo que tem estado a ser adoptado em diferentes países da União
Europeia, na sequência da resolução 2178 do Conselho de Segurança das Nações
Unidas, não é mais do que uma extensão à Europa do infame USA Patriot Act
promulgado por George W. Bush e tem como ambição transformar-se num cenário Minority Report: criar uma divisão de
pré-crime capaz de identificar no comportamento dos cidadãos sinais precursores
da adesão a uma organização terrorista.
O que é particularmente
preocupante na “Estratégia Nacional Antiterrorismo” em discussão é a ligeireza
com que se impõe uma filosofia de inversão do ónus da prova – que o PS via
com tanta preocupação (e nenhuma razão) quando se tratava de combater o
enriquecimento ilícito, mas que não consegue discernir aqui. Se o diploma em
discussão for aprovado, um cidadão poderá ser condenado por terrorismo se
visitar sites
que façam a
apologia do terrorismo e se viajar para um território sob o controlo de uma
organização terrorista com a intenção de aderir a ela. Não é necessário que
cause o menor mal nem que haja provas disso, basta a convicção das autoridades
de que, na sua mente, poderá ter havido o desejo de praticar um acto
terrorista – seja o que for que o legislador entenda por tal coisa. E
caber-lhe-á a ele provar a sua inocência. Sonhará o PSD prender-nos a todos um
dia, pelos pensamentos que entretemos sobre os seus dirigentes?
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