O líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro,
afirmou hoje, no Porto, que "era o que faltava" que o
primeiro-ministro se demitisse devido aos incumprimentos que teve perante a
Segurança Social ou como lhe chama no Público, em tom algo irónico, Vasco Pulido
Valente, “incidente fiscal”.
Para esta gente, incompetente e politicamente
desonesta, em que vale tudo para manter o poder, o principal rosto da
austeridade e da perseguição implacável aos contribuintes relapsos deve ter um
tratamento privilegiado em relação ao comum dos portugueses que falhou os seus
compromissos fiscais. Aliás, parece estar a fazer carreira a ideia de que a obrigação
de pagar impostos tem dois pesos e duas medidas conforme se pertence à elite
financeira ou política ou ao comum cidadão com pequenos rendimentos, provenientes,
em especial, quer do trabalho quer de pensões de reforma.
A
argumentação, digamos mesmo a lata que o Governo usa para justificar o injustificável
é um atentado à inteligência dos portugueses. Ninguém de boa fé acredita que
alguém que foi deputado se esquece de pagar a Segurança Social anos a fio. Uma justificação
desta natureza é de tal forma absurda que constitui condição necessária e
suficiente para um primeiro-ministro abandonar o cargo.
A
propósito do “incidente fiscal” de Passos Coelho, deixamos aqui um excelente e
oportuno artigo de opinião do Prof. Mário Vieira de Carvalho que transcrevemos
do Público de hoje.
Pedro
passa culpas. É um padrão que se repete desde que chegou a primeiro-ministro. Começou
logo por faltar a todas as promessas eleitorais. Justificação: ignorava o
estado em que se encontrava o país. A culpa era do Governo anterior.
Forçou
a queda do Governo socialista, o resgaste e a troika. Fez do programa da troika o seu programa. Participou,
triunfante, na negociação do memorando. Na Europa, arvorou-se em campeão da
austeridade: uma espécie de taliban do neoliberalismo que queria ir para além
da troika. Depois, confrontado com o
desastre, lançou as culpas do resgate e da troika sobre
o Governo anterior.
Levou
à falência milhares de pequenas e médias empresas. Promoveu a depressão e a
desertificação do interior em larga escala. Elevou os índices de pobreza e
desigualdade social a níveis inauditos. Gerou o desemprego em massa e empurrou
para a emigração forçada 350 mil jovens altamente qualificados. Abriu uma crise
no Serviço Nacional de Saúde, cujas consequências nefastas em matéria de
recrutamento de profissionais qualificados, manutenção de equipas
interdisciplinares com capital de experiência, qualidade dos serviços prestados
e “efeitos colaterais” nos índices de patologias, complicações e mortalidade
estão ainda muito longe de ser apuradas. Introduziu o caos na escola pública e
fez dos professores o bode expiatório dos cortes vergonhosos na Educação, que
afetaram gravemente a qualidade do ensino e potenciaram o abandono escolar e a
exclusão social. Desmantelou a rede científica nacional, aliás, altamemte
internacionalizada, que tinha colocado Portugal muito próximo dos indicadores médios
europeus em todos os domínios científicos. Tudo isto, que se destinava
supostamente a pagar a dívida pública, só serviu para a aumentar — e de que
maneira! — e culminou agora num palmarés digno de orgulho: Portugal
transformado na décima economia mais miserável do mundo (índice Bloomberg)!
Como sempre, porém, Pedro passa culpas: nada disto se deve, afinal, à
austeridade (para além da troika)
imposta pelo seu Governo, mas sim a problemas muito mais antigos e
persistentes, que ele, em quatro anos, nunca poderia resolver...
No
caso da Tecnoforma e, agora, no das contribuições para a Segurança Social,
volta a revelar-se o mesmo padrão. Em vez de assumir a culpa e pedir desculpa —
como, aliás, já lhe foi sugerido por comentadores políticos de vários quadrantes
—, insiste na sua inimputabilidade. Não é ele o responsável pela infração. Não
é ele o culpado pelo incumprimento.
Também
aqui Pedro passa culpas. Não conhecia as leis. Foi por santa ignorância que se
furtou às suas obrigações para com a Segurança Social. Durante cinco anos de
atividade como trabalhador independente talvez nem soubesse o que era isso da
Segurança Social. Votou a lei como deputado, mas não a leu. E depois ninguém o
informou. Ninguém o notificou. De quem é então a culpa? Da própria Segurança
Social, por existir, e dos seus funcionários, por cometerem erros.
Mas
pode um primeiro-ministro, incapaz de assumir a sua própria culpa,
aproveitar-se de um processo em que um ex-primeiro-ministro é ainda presumível
inocente, para lançar sobre este o opróbio de uma culpa ainda mais grave? Se
isto não é fazer de um processo judicial um processo político, então só pode
ser um dos seus “contos de crianças”...
Na verdade, histórias
exemplares — como as dos ministros que se demitiram, um por causa duma dúvida
quanto à liquidação do imposto de sisa, outro, por ter caído uma ponte (“A
culpa não podia morrer solteira”) — não cabem no conceito de realidade do
primeiro-ministro: “Isso não existe. São contos de crianças.”
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