Aproveitando
uma frase pronta a usar, não nos podemos esquecer de que há mais vida para além
do triste espectáculo proporcionado pelos enredos fiscais em que Passos Coelho
se envolveu e pelas rábulas de Cavaco neste penoso final de mandato.
Um
mundo dominado pela doutrina neoliberal caracteriza-se, em primeiro lugar, por
transformar em negócio tudo que seja passível de criar lucros. Vivemos em plena
hegemonia dessa doutrina e temos um governo que é seu fiel seguidor.
Por
outro lado, o principal partido da oposição, o PS, apesar de toda a retórica
desta fase pré-eleitoral, não apresenta diferenças ideológicas significativas
em relação à maioria de direita no poder. Se os “socialistas” ganharem as
próximas eleições, o mais que podemos obter é uma alternância de Governo sem
haver alternativa de políticas. O negócio da água será um bom exemplo para
provarmos esta realidade que o povo português ainda não quis alterar. Para não
nos alongarmos mais, deixamos aqui uma abordagem muito a propósito deste tema,
num texto (*) que retirámos do Diário de Coimbra da semana passada.
A
água sendo um bem público essencial é igualmente um bem cada vez mais escasso e
determinante para a sobrevivência de todos os seres vivos do Planeta. Trata-se,
sem dúvida, de um direito humano fundamental a ser preservado da gula daqueles
que pretendem transformar a sua “produção” e fornecimento num negócio altamente
lucrativo, suportado pelo consumidor com tarifas/preços cada vez mais elevados.
As
grandes multinacionais europeias e americanas estão interessadas no “negócio da
água”, pois o sector tem sido bem gerido na esfera pública através de elevados
investimentos dos municípios em infraestruturas e meios tecnológicos, para
satisfazer as necessidades básicas de abastecimento de água de qualidade, com
custos partilhados pelos consumidores e autarquias locais visando a manutenção
de preços socialmente aceitáveis.
Na
verdade, o modelo em vigor no nosso país, assente em sistemas multimunicipais
tutelados pela empresa Águas de Portugal, está a gerar elevados custos para os
municípios, na medida em que estes são obrigados a suportá-los pela imposição
do modelo das conhecidas PPP (Parcerias Público Privado), sendo que existem
muitos municípios em incumprimento por causa das exorbitantes condições
contratuais.
No
mundo, na Europa e no nosso país, as tendências neoliberais aprofundam-se com o
claro propósito de transformar o serviço público de água num negócio altamente
lucrativo. O governo está a dar todos os passos adequados à entrega do sector
da água aos privados, já que a privatização da EGF (sector dos resíduos sólidos
urbanos), está a servir de “laboratório” à futura privatização da água, tendo
como meta condicionar o funcionamento e autonomia dos municípios.
O
modelo criado pelo actual governo, assente numa pretensa regulação da ERSAR
para os sectores da água, dos resíduos sólidos urbanos e águas residuais,
implicará uma subida generalizada dos preços a serem suportados pelos
consumidores e/ou pela autarquias, já que a fixação das tarifas passa para a
esfera de competência da referida entidade reguladora, em detrimento do actual
modelo de fixação das tarifas pelos municípios, violando o princípio
constitucional da autonomia do poder local.
Ora,
esta entidade administrativa ao “usurpar” a competência das autarquias, pela
mão do governo, mais não faz do que preparar o caminho para a privatização do
sector da água aumentando as tarifas para patamares que tornem o “negócio da
água” altamente lucrativo para os privados. O governo quer entregar o sector
das águas aos privados, sem as necessárias contrapartidas financeiras, depois
de terem sido realizados elevados investimentos públicos pelos municípios, nas
últimas décadas.
A
meu ver, os principais partidos devem debater este tema na próxima campanha
eleitoral para as eleições legislativas, sendo certo que o actual governo é a
favor do “negócio da água”, mas o principal partido da oposição deve tomar uma
posição clara e inequívoca sobre esta matéria. Está por provar que a gestão
privada é melhor que a pública, vejam-se os recentes casos na banca e nas
telecomunicações.
(*)
Manuel Claro
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