domingo, 1 de março de 2015

TUDO COMO DANTES?…


Já aqui exprimimos a opinião de que é ponto assente que ricos e poderosos fogem ao pagamento de impostos como o diabo da cruz. Cumprir as suas obrigações fiscais é coisa de quem trabalha por conta de outrem (quer seja no privado ou no público) ou de titulares de baixos rendimentos. De qualquer maneira, não passaria pela cabeça de ninguém que um primeiro-ministro fosse apanhado em “incumprimento das suas obrigações contributivas” e, ainda por cima, argumentasse que desconhecia a dívida. Trata-se de uma das desculpas mais típicas dos maus pagadores quando se descobre um calote. Perante a legislação existente, nenhuma evasiva é compaginável com as funções que Passos Coelho desempenha nem convence o mais ingénuo dos cidadãos.
Uma pergunta se impõe: o que vai acontecer a seguir? Como estamos em Portugal e, a exemplo de casos anteriores, tudo vai ser aceite com a maior das naturalidades, sem que haja quaisquer consequências. Obviamente o único caminho a seguir por Passos Coelho seria a apresentação da demissão.
A propósito deste caso, muito bom o texto de Tiago Gillot dos Precários Inflexíveis que transcrevemos do Público de hoje.
A revelação sobre o incumprimento das obrigações contributivas por parte de Pedro Passos Coelho é, a todos os títulos, surpreendente.
Desde logo, porque o actual primeiro-ministro não é um contribuinte qualquer, nem foi um normal trabalhador a recibos verdes. Depois, porque a sua dívida prescreveu, resistindo assim a um período em que a Administração revelou grande empenho na recuperação de verbas e vulgarizou o recurso a cobranças coercivas aos trabalhadores a recibos verdes. Mas, acima de tudo, porque Passos Coelho alega que “desconhecia” a existência desta dívida. Ou seja, ultrapassando os jogos de palavras, o primeiro-ministro está a afirmar que não conhecia as regras que o obrigavam a contribuir para a Segurança Social (cujo incumprimento está na origem da dívida).
Dadas as suas particulares responsabilidades, que não precisam de ser explicadas, esta situação é totalmente inaceitável e revela, além do mais, tendo até em conta os níveis de rendimentos em causa, uma atitude de indiferença ou mesmo de hostilidade perante a Segurança Social – é também reveladora a escolha do 1º escalão, em que a base de incidência correspondia a um salário mínimo nacional, valor certamente bastante distante dos rendimentos de facto auferidos por Passos Coelho.
Mas a justificação para o incumprimento torna esta revelação ainda mais grave. É inadmissível que o primeiro-ministro declare desconhecimento de uma obrigação que resulta de uma legislação que foi aprovada num momento em que era deputado. Hoje Passos Coelho dirige um Governo totalmente implacável com os trabalhadores a recibos verdes, maioritariamente precários com baixos rendimentos, a quem impõe a cobrança coerciva como regra de actuação perante o grave problema das dívidas à Segurança Social de milhares de pessoas – dívidas que, na maioria dos casos, têm origem na injustiça dos falsos recibos verdes e não responsabilizam as entidades patronais. Vemos agora que esta opção política de Passos Coelho e do seu ministro Pedro Mota Soares contrasta brutalmente com a sua conduta pessoal: o suposto rigor é apenas um argumento instrumental para aplicar uma política de selecção social.
O regime de contribuições para os trabalhadores a recibos verdes é injusto, inadequado e incompreensível para quem nele está incluído. Muitos anos depois do incumprimento de Passos Coelho, as regras são, no essencial, as mesmas. É preciso um novo regime, como a Associação de Combate à Precariedade tem defendido e em cuja proposta concreta está a trabalhar. Passos Coelho, que dirige um Governo que insiste em manter este regime e ainda o piorou nos últimos anos, confessa agora que também não o compreende. Ainda assim, exige que precários com baixos rendimentos façam tudo o que ele não fez: que entendam as regras e que as cumpram, sob pena de severas consequências. É esta a estranha moral de um primeiro-ministro, que decreta um suposto rigor para quem está em dificuldades, mas reserva para si todas as facilidades.

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